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quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Soluções perfeitas: cuidado com o que se diz por aí.

A edição brasileira da Harvard Business Review de abril/2010 traz quatro artigos que falam sobre gestão em saúde, com foco no diagnóstico de causas para seu desempenho ruim dentro do contexto econômico, principalmente dentro dos Estados Unidos. Elenca também alguns caminhos para a solução de problemas dentro da perspectiva da liderança, que pode ser exercida pelo médico, principalmente no ambiente hospitalar. Sem sombra de dúvida essa edição mexeu com aqueles que tratam do tema, pois desde então passou a ser referência obrigatória em congressos de gestão em saúde e outros encontros.
 
A Escola de Administração de Harvard há muito é reconhecida como um laboratório de inovação nas práticas gerenciais, ultimamente com foco também na saúde. Michel Porter e seu “Repensando a Saúde” trouxe à tona um coro de manifestações, a maior parte de concordância quase que irrestrita aos princípios por ele apontados da boa gestão estratégica (sua especialidade) em saúde, assim como às suas inúmeras sugestões de como contornar esse cenário adverso na história dessas organizações. Seguindo essa trilha, outros como Clayton Christensen e colaboradores, com o seu “Inovação na Gestão da Saúde”, também da mesma escola, têm trazido algumas importantes colaborações aos nossos gestores tupiniquins.
 
Como prudência e dinheiro no bolso não fazem mal a ninguém, é recomendável um pouco de cautela nessa hora. Apesar de ser sobejamente conhecido de que carecemos de tradição na arte de gerir, tenho observado o quão influenciável é a nossa elite diretiva das organizações de saúde, não só dos hospitais como também dos demais atores corporativos (planos de saúde, consultorias, provedores de serviços) e profissionais em geral. Não posso deixar de me preocupar com alguns aspectos que soam mal “traduzidos” para nosso meio, dentre os quais:
                                   1 – Nossa economia definitivamente não é igual à dos Estados Unidos, inspiradora dos preceitos emanados pela Escola de Harvard;
                                    2 – Nossas crenças e princípios tradicionais de condução dos negócios em geral, e em particular na saúde, ainda não estão alinhados (e talvez nunca estarão) com o caráter estéril e cirúrgico das intervenções reiteradamente sugeridas pelos mentores da boa gestão naquele país. Diferenças éticas, morais, religiosas e de costumes nos impedem de absorver certas recomendações na sua integralidade;  
                                     3 – Nosso meio carente de estudos confiáveis, às vezes carente de confiança em estudos bem conduzidos, é fortemente influenciado por concepções externas muitas vezes focadas em exemplos dispersos de sucesso em uma ou outra ação, de uma organização aqui e outra acolá, reunidas “num mesmo saco” para finalmente induzirem à conclusão, uma vez montado esse mosaico, que estamos diante de uma alternativa estratégica viável. A intenção pode não ser essa, mas justifica-se uma assertiva interessante com justificativas enviesadas;
                                    4 – Há um consenso universal a respeito das diferenças históricas e regionais entre as organizações de saúde e o impacto que medidas genéricas podem acarretar nas mesmas. Nossa multiplicidade de modelos é de deixar qualquer teórico, no mínimo, desconfiado quanto à viabilidade de determinadas ações sublinhadas como essenciais ou genericamente inevitáveis;
                                    5- O médico não é líder de coisa nenhuma no seu negócio. Quando muito, um bom administrador de seu pequeno universo material de finanças bancárias e aquelas relacionadas à gestão de suas faturas de convênios, à administração básica de seus espaços de trabalho, e à condução de sua produção acadêmica, quando tem tempo para isso.
 
Assim sendo, dentro da realidade cotidiana imposta aos profissionais de saúde, principalmente à classe médica, soa como utópico o papel apocalíptico destinado a esse indivíduo na revolução que se espera que aconteça, para o bem de todos e a sustentação do negócio saúde em seu contexto macroeconômico. Como sempre tento ressaltar, as ações no seu microambiente de trabalho cotidiano serão o divisor de águas no sucesso ou fracasso de qualquer organização. Assim, soluções que envolvam grandes mudanças comportamentais e, principalmente, que envolvam riscos à segurança do pequeno e limitado escopo de ação do médico, podem ter absorção muito limitada.
 
E de fato assim o são: inúmeras intervenções têm sido tentadas no fortalecimento da participação do médico na cogestão de seu negócio, principalmente dentro do ambiente hospitalar, ao longo dos últimos anos em nosso país. Não há evidências científicas, ou melhor, numéricas, de que o impacto correspondeu a um resultado operacional esperado. E se ocorreu, ainda aguarda por uma divulgação adequada. Nem por isso as iniciativas não devem ser tentadas. Sempre deverão ser. Imaginar um cenário sem algumas conquistas atribuídas aos novos preceitos modernos de gestão em saúde é negar uma realidade tangível e bem documentada de conquistas pontuais, conseguidas por algumas organizações de maior representatividade e fôlego financeiro. E mesmo que soem como inadequadas à nossa realidade, o gestor criativo pode adaptá-las para daí tirar o proveito que almeja. Mas atribuir ao médico a responsabilidade e o peso da liderança dentro deste viés de heroísmo, como alguns preconizam, é, no mínimo, uma tremenda inocência. O médico pode e deve ser envolvido na cadeia produtiva da organização de saúde. Sua participação cada vez mais eficiente é um processo de amadurecimento que terá um teto, que por sua vez irá variar em tamanho de acordo com uma série de fatores. Mas a construção dessa participação é o elemento catalisador da formação do bom parceiro, não do herói ou líder fantástico. Estamos falando da Gestão do Corpo Clínico, mais uma vez. Sem receio de ser repetitivo, penso que as organizações de saúde devem conhecer melhor seus profissionais, principalmente seus médicos, e acompanhar de perto seu desempenho para daí traçarem de comum acordo estratégias de colaboração mútua baseadas no estabelecimento de compromissos e metas escalonadas, mas nunca atribuindo a estes um papel de “liderança”, como se fosse uma virtude enrustida pronta a despontar a qualquer momento.
 
O médico quer ser tutelado, ele quer uma parceria com resultados imediatos e objetivos, e não um discurso edificante de metas a médio ou longo prazo. E quem deve cumprir esse papel de aproximação são os gestores, a quem cabe a missão de, sem estrelismo, construir um mapa de ações e um roteiro de iniciativas exequíveis capazes de mobilizar toda a organização numa mesma direção tendo como palavra de ordem a construção compartilhada de responsabilidades.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Gestão do Corpo Clínico: modismo ou necessidade?

Algumas propostas têm sido feitas por estudiosos em gestão na saúde com o intuito de gerar iniciativas que se traduzam em inovação, na expectativa de criar um ambiente de diferenciação competitiva. O cenário para o negócio saúde, adverso em inúmeros aspectos exaustivamente citados, prevê dificuldades progressivas num espaço de tempo muito curto para todos aqueles que, de uma forma ou outra, não começarem a se preocupar SINCERAMENTE com a saúde organizacional de seu negócio. As receitas preconizadas por especialistas vão desde o enxugamento máximo na oferta de serviços até a ampliação em escala das opções de acesso para o usuário, em ambas as situações obrigatoriamente agregando a maior diferenciação tecnológica possível, estas, por sua vez, facilitada pelas inúmeras vias de crédito atualmente disponíveis.
 
A organização de saúde no nosso país, entendida na prática como um hospital, por muito tempo será o laboratório para a maioria das ações relacionadas à assistência à saúde, independente do grau de complexidade que o usuário vai exigir na sua abordagem. Portanto, nada mais lógico que nesse local é que se desenvolvam boa parte das contradições que vemos na prática. Em todo contexto de adversidade, é natural que a todo momento apareçam novas propostas de solução, o que é bom pois demonstra uma preocupação saudável. Porém, para aqueles que lidam com gestão em saúde, abraçar de forma acrítica idéias, conceitos, propostas e modelos rotulados como inovadores pode representar riscos de, no mínimo, levar a perda de tempo e dinheiro.
 
Mais recentemente vem sendo desenvolvido de forma gradual o conceito de que a condução adequada dos processos dentro de uma organização hospitalar, levando a um melhor desempenho destas, passa necessariamente por um olhar mais diferenciado para aqueles que efetivamente catalisam (ou não) seus resultados operacionais, ou seja, seu corpo clínico. Entendido conceitualmente como o conjunto de médicos que representa o corpo assistencial dentro do hospital, até o momento esse grupo tem se mantido à margem de processos decisórios e estratégicos conduzidos pelas alta direção nas organizações, que até então tem preferido a adoção de modelos muitas das vezes completamente dissociados da cultura organizacional que pretendem melhorar.Tal conceito inclui, antes de mais nada, um profundo respeito pelas diferenças inter-organizacionais quanto ao perfil de usuários, carteira de convênios, modelos de prestação de serviço, missão e valores, grau de especialização, diferenciação tecnológica, dentre outros, e tenta, de forma global, aproximar o gestor daqueles que estão na linha de frente desta batalha diária que é a rotina de um hospital. Através do delineamento do seu corpo clínico, cada hospital pode traçar mecanismos de abordagem deste segmento de forma diferenciada com o intuito de identificar oportunidades de melhoria nas suas ações, corrigir distorções, filtrar processos e profissionais, redirecionar fluxos, planejar melhor alocação de recursos, criar mecanismos de privilegiamento e desenvolver fidelidades.
 
Obviamente que não é uma receita simples e nem apresenta resultados instantâneos. Porém as primeiras iniciativas documentadas de abordagem nessa linha têm apresentado resultados promissores, tal como podemos ver nas estratégias desenvolvidas pelo Hospital Mãe de Deus (www.maededeus.com.br), em Porto Alegre (RS) e Hospital Mater Dei (www.materdei.com.br), em Belo Horizonte (MG). Visto dessa forma, parece pouco claro e convincente para o gestor que ainda não está familiarizado com o tema. E de fato o é. Mas, por outro lado, desenvolver a capacidade de refletir sobre esse conceito e ao mesmo tempo se debruçar sobre quem de fato é o principal responsável pela saúde organizacional, pode produzir descobertas muito interessantes.
 
E, algumas vezes, transformar um gestor de boas intenções num gestor de bons resultados.