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terça-feira, 17 de abril de 2007

A coisa pode ficar ainda mais feia...

Longe, mas muito longe de ser a trombeta que anuncia o caos nos atendimentos médicos na Bahia. Mas não podemos deixar de admitir que as conseqüências imediatas das recentes mudanças são, no mínimo, geradoras de apreensão.
No dia 15 de abril foi realizada a prova escrita do processo seletivo engendrado pela Secretaria da Saúde para o provimento de cargos para médicos nas diversas especialidades através de Regime Especial da Administração (REDA). Amanhã, dia 18, está prevista a divulgação do resultado do processo. A quantidade de inscritos para o processo de seleção foi inferior ao número de vagas oferecidas. Alguém lembra de algum processo seletivo desta natureza, para médicos, ter mais vagas que inscritos?
Pela forma como foi elaborado o edital, as dúvidas superam as certezas. Em função disso inclusive, deveremos ter um enorme contingente de profissionais que vêem aí a oportunidade do primeiro emprego, a possibilidade de alocação de especialistas que, pelas formas convencionais, não encontram espaço para o desempenho de seu trabalho (detalhe: eles não sabem nem se vão trabalhar na sua especialidade); e os oportunistas de plantão, que diante da mobilização de vários segmentos que vão boicotar a seleção, aproveitam para achar seu espacinho.
Muito ruim, tudo muito ruim. A única coisa que não é ruim são as bases ideológicas e a argumentação para a mudança, neste terreno em particular. A saúde pode servir como boi-de-piranha para as demais alterações que a atual administração pública estadual pretende implantar, os princípios são os mesmos e, acreditem, são bons! Não existe no mundo sistema de gestão em saúde mais perfeito que o SUS, desde que efetivamente aplicado em benefício das populações mais necessitadas. Só no Brasil é algo em torno de 114 milhões de pessoas desprovidas de qualquer tipo de assistência médica, básica ou avançada. Só pelos números colossais já dá para ter a idéia da dimensão da coisa e de como é necessário o correto gerenciamento de um orçamento que só não é suficiente em função de inadequações geradas mais pela má utilização dos gestores que por insuficiência de recursos, e isso raramente é dito.
A questão é a forma como está sendo feita a mudança. Dá a impressão que é pessoal, dá a sensação de que o que vai ocorrer é justamente o contrário, ou seja, aquilo que deveria moralizar e trazer equidade, aparenta mais desconfiança e a suspeita de que desgraças maiores ainda estão por vir. Está esquisito.
Ingenuidade achar que o atual secretário de saúde não conhece os riscos de se excluir uma relação que, certa ou errada, produziu em vários lugares um sopro de seriedade no aspecto técnico. Qual o médico qualificado que não gostaria de trabalhar num lugar com boas condições de trabalho, bom ambiente profissional e, principalmente, um salário mais adequado? A Coopamed conseguiu reunir entre seus quadros alguns bons e diferenciados profissionais, que foram ocupando espaços e funções próprias de acordo com as suas qualificações. De qualquer outra forma, jamais o Estado da Bahia teria esta colaboração. Agora nivela-se tudo e todos, não se oferece a oportunidade de uma seleção mais direcionada por aptidões, não se leva em consideração alguns indicadores de desempenho (sem direcionamento nem apadrinhamento, apenas usando critérios objetivos e, acreditem, eles existem!), não se faz sequer um edital decente.Todas as entidades da classe médica estão apoiando o novo “modus operandi” implementado pelo novo Secretário de Saúde, que ao meu ver reúne todas as qualificações para promover várias e cruciais mudanças na administração do Estado da Bahia, no que tange à sua pasta. Beleza. Tomara que não entre água no chope, pois, não tenho dúvida, o que já é sofrível, pode ficar pior ainda.

segunda-feira, 2 de abril de 2007

A coisa tá ficando feia....

Na Bahia estamos vivenciando um momento único na forma de relacionamento entre o Governo do Estado da Bahia e a classe médica que recentemente vem prestando serviços especializados nas diferentes unidades hospitalares da Secretaria de Saúde, por meio da Coopamed (Cooperativa de Assistência Médica do Estado da Bahia).
É com grande expectativa que todos acompanham os passos do novo Secretário de Saúde do Estado, o Dr. Jorge Solla, cuja biografia profissional, comenta-se, é dotada de uma coerência ideológica e ao mesmo tempo pragmática muito difícil de ser encontrada. Segundo informações, teve atuação destacada durante sua permanência no Ministério da Saúde e vem de uma escola que tem uma respeitosa linha no que tange à formação de quadros que privilegiam antes de mais nada a preocupação com a destinação adequada dos recursos voltados para a saúde, entre outras virtudes.
Com muita coragem, e é o que todos esperamos de um representante deste porte, deixou clara a não intenção de prorrogar acordos com cooperativas de profissionais médicos para fornecimento de mão-de-obra para as unidades de saúde, notadamente a Coopamed, que desde 1999 arregimenta médicos de diversas especialidades. Sua proposta é, a médio prazo (pelo menos), realizar concurso público para preenchimento de vários cargos na área de saúde, principalmente médicos. Dessa forma, enfatiza, haveria um resgate da dignidade funcional deste profissional, que deixaria de ter uma relação precária com o Estado (já que o regime de cooperativa não prevê aos cooperados férias, 13º salário, FGTS e demais benefícios assegurados por lei a todos os trabalhadores), passando a ser um servidor estadual. Esta luta é antiga e engrossada por várias entidades tais como a Associação Baiana de Medicina e o Sindicato dos Médicos do Estado da Bahia, além de várias lideranças políticas, que sempre contestaram essa forma de relacionamento entre a SESAB e a Coopamed.
A Coopamed hipertrofiou-se nos últimos 8 anos. Ampliou sua sede, montou uma estrutura administrativa bastante eficiente, articulou-se melhor com a Secretaria de Saúde do Estado e vinha paulatinamente conquistando mais e mais espaços dentro das brechas deixadas pela própria secretaria. Antes restrita à indicação de profissionais para o preenchimento de poucas vagas, para cobertura de plantões em algumas unidades, hoje tem várias chefias e coordenações médicas de serviços sendo exercidas por profissionais ligados a ela. O currículo destes profissionais é, em boa parte deles, bastante respeitado.
É quase impossível não notar a massiva presença destes profissionais. Dos aproximadamente 4500 médicos que prestam serviço ao Estado da Bahia (dentre concursados e prestadores de serviço), mais da metade atualmente são ligados à Coopamed. Em algumas das unidades hospitalares, mudaram a cara do atendimento médico, e para melhor. Antes sem eficiência e desacreditadas, deficitárias em planejamento e gestão, carente de profissionais bem preparados e dispostos a fazer um trabalho decente, joguete de políticos locais que as utilizavam em proveito próprio, muitas dessas unidades ganharam um sopro de seriedade, comprometimento, qualidade de serviços e resultados, mais pela qualificação profissional dos novos agentes que por um trabalho de planejamento da cooperativa. O processo foi grandemente impulsionado pela construção de novas unidades hospitalares e, principalmente, de várias unidades de tratamento (ou terapia) intensivo nos hospitais da rede. Entretanto, parece que na maioria das outras unidades a realidade era outra, principalmente por não haver nenhum critério técnico mais rígido de contratação, para ficar apenas em uma das razões (houve várias): havia necessidade de preenchimento de uma vaga e colocava-se alguém para preenchê-la, muitas vezes bastando apenas ter registro no Conselho Regional de Medicina (às vezes nem era da Bahia, o que é ilegal). Por essa e outras, não foram poucos os casos de descompromisso, faltas, infrações éticas e administrativas, além de constrangimentos.
O judiciário estadual, desde 2003, vem questionando o papel da Coopamed como cooperativa de médicos. Na prática, questiona-se se não seria uma empresa intermediadora de mão de obra, devendo, portanto, arcar com custos trabalhistas habituais. Isso foi objeto de uma ação trabalhista que teve seu julgado definitivo no ano passado pelo Tribunal Superior do Trabalho, que recomendou a não prorrogação com contrato do Governo do Estado com a Coopamed, e que não foi cumprido.
A atual administração estadual já sinalizava antes mesmo de assumir seu posto sua postura em relação ao que considerava correto na aplicação dos recursos destinados à saúde. O investimento feito pela gestão anterior, sem entrar no mérito da questão quanto à correção ou não, não parece ter alcançado nenhum impacto do ponto de vista de coletividade. Mesmo com a mão de obra médica mais especializada (competente e necessária) que hoje exerce suas atividades (a esmagadora maioria contratada através da Coopamed), nos mais recentes empreendimentos em saúde terciária, tais como as novas UTI´s e o INCOBA – Instituto do Coração da Bahia, não resultaram num impacto relevante nos índices considerados adequados para a aferição da saúde de uma população. Segundo dados do próprio secretário, entre 2000 e 2006, a Bahia foi o estado do Nordeste brasileiro que teve o menor índice de cobertura pelo Programa de Saúde da Família (PSF), ostenta um dos piores índices em relação à oferta de leitos hospitalares, é o estado com maior índice de mortalidade materna da região nordestina, tem a mais baixa oferta de transplantes entre os estados do Nordeste e também lidera os casos de tuberculose da região. Isso tudo, completa, apesar das dotações do governo federal terem aumentado em 80% para o Estado.
Há um detalhe adicional: como explicar a diversidade de categorias profissionais àqueles que labutam há anos como servidores legitimados por concurso público, recebendo vencimentos que chegam às vezes a um terço daqueles seus pares cooperados?
Não há dúvidas que a situação assistencial médica na Bahia (assim como no Brasil), é pífia, politiqueira, ineficaz e oportunista. Infelizmente, um dos maiores exemplos da falta de cuidado com o bem público se reflete nos modelos de gestão que reproduzem erros históricos. Mas isso já rende um outra história...

segunda-feira, 26 de março de 2007

Tá sentindo o quê?: Começando do começo

Tá sentindo o quê?: Começando do começo

Começando do começo

A felicidade depende unicamente de você.
Possivelmente você já ouviu alguma coisa parecida com isso, senão a frase exatamente como aqui, em algum lugar. Essa, como milhares de tantas outras que nos últimos anos vem inundando as livrarias na forma de manuais (e em algumas vezes verdadeiros tratados) rotulados como de “auto-ajuda”, vêm seduzindo a mente do homem contemporâneo em todo o mundo, induzindo-o invariavelmente a pensar que as coisas só não são perfeitas porquê não queremos que elas o sejam.

Interessante perceber que, ao mesmo tempo em que alguns pseudo-literatos amealham fortunas com suas idéias de pouca sustentação prática (e muito menos científica) às custas da desesperança global, a sociedade moderna dá o tom para que mais publicações semelhantes sejam produzidas na medida em que se torna autofágica, e o Jornal Nacional está aí para não me deixar mentir, ratificando um sentimento de que as coisas vão de mal a pior. Mas não pensem que o mérito desta trupe se deve a essa brilhante constatação, pois para isso não precisavam perder seu tempo lendo essas linhas. O fenômeno da explosão do mercado editorial de publicações desta natureza, algumas, justiça seja feita, até razoavelmente interessantes, tem relação direta com o grau de aprofundamento das ambigüidades que o mundo moderno é exposto. De forma que, nessa linha de raciocínio, daqui a pouco, ao abrirmos a lista de livros mais procurados nas livrarias do país, vamos ter uma esmagadora maioria de obras voltadas para a auto-superação, a promoção pessoal, a vitória profissional, dicas de como gerenciar sua carreira, sua rotina, seu corpo, sua alimentação, suas férias, sua saúde, seus cabelos, suas calcinhas na gaveta, e por aí vai. O fato a lastimar está na perda da capacidade das populações, ocidentais principalmente, de perceber que suas vidas tomaram dimensões extraordinariamente diferentes das que de fato gostariam que tomassem, na medida em que as relações familiares se flexibilizaram, as relações de trabalho mais ainda, as relações com o mundo ao redor, enfim, não são as mesmas de gerações anteriores (freqüentemente lembradas pelos pais ou avós). Isto pode ser chamado de globalização.

Pode soar tendencioso, e talvez o seja, mas e se o que a todo o momento evocamos (de forma universal, diga-se de passagem) como a necessidade de se buscar um “ideal de vida”, “a qualidade de vida”, o “resgate dos valores perdidos”, etc.. não seja apenas mais uma mais uma manifestação perversa de uma das várias faces do indisfarçável apelo consumista que as sociedades capitalistas em geral têm como corolário básico? Ou não, talvez esse coro seja realmente sincero, e estejamos às portas de uma revolução de valores, uma reformulação de nossa base ética (existe isso ainda?), uma acachapante onda de transformações no campo das idéias e das ações, que por fim, mesmo sem mudar seu estilo multi-consumista, nos trará a sensação de bem estar que todo regime promete àqueles que o aderem? Tenho muitas dúvidas a este respeito, mas não posso deixar de registrar minha preocupação com as “obras” voltadas para o público em geral, estas também bem caracterizadas como um “grande filão”, no jargão capitalista: como quase nunca ninguém consegue alcançar as metas prometidas após espartana disciplina aos preceitos ali inclusos, seja porquê são impossíveis de serem alcançadas, seja porquê a incompatibilidade entre o que se propõe como caminho é absurda quando inserida no contexto do cidadão (vá dizer ao policial militar que a cura para seu estresse diário está dentro dele mesmo e aguarde a resposta), talvez tenhamos no futuro uma legião de insatisfeitos que buscarão um novo livro diferente para o mesmo ou para outro problema. Haverá lugar nas prateleiras para tantos livros assim? Bem ou mal, numa coisa tenho que concordar: Buenos Aires tem mais estabelecimentos culturais, incluindo aí livrarias, que no Brasil inteiro. Já conseguimos igualar no futebol o número de vitórias que eles tinham de vantagem sobre a gente. Quem sabe a gente agora vai ter um montão de leitores também?
É muito fácil responsabilizar o indivíduo como o único responsável pelo estado de coisas em que ele se encontra. Isso quase nunca é dito de forma direta, mas subliminarmente, quando se apregoa que a cura está em você, o sucesso é você quem faz, seu desempenho sexual só você pode administrar. E se não o faz é porquê não fez o que tinha que ser feito. Essa atitude é perversa quando colocada nesse contexto de tantas contradições da nossa vida cotidiana, pois aumenta ainda mais o abismo que separa o indivíduo da meta que ele pretende atingir, porquê pura e simplesmente as transformações que ele julga importantes não dependem só dele.

Ingênuidade acusar o regime, sair em passeata, fazer greve de fome contra tudo e todos, pois essa, felizmente ou não, é a nossa realidade global. Não há como fugir dela. Certo ou errada, caminhamos nessa direção e agora estamos diante de nossas próprias contradições. É assim que os povos evoluem. O que se discute são os meios empregados e de como eles acabam criando a falsa sensação de que tudo é possível porquê eu quero que seja possível. É uma farsa perigosa e ao mesmo tempo incrivelmente sedutora.

Seria muita pretensão apontar o verdadeiro caminho para a resolução das angústias do homem moderno, mas recorro a alguns simples ensinamentos lastreados na milenar cultura chinesa para fazer algumas humildes considerações que podem, se não resolverem todos os seus problemas, pelo menos trazer algum equilíbrio para agüentar as agruras do dia-a-dia. Primeiro, vocês já perceberam como esquecemos com enorme facilidade o que comemos nas refeições anteriores àquela que estamos fazendo? Não é uma coisa muito comum lembrarmos exatamente o que comemos no almoço quando vamos jantar. Outra: você alguma vez na sua vida já se deu conta de como o processo de respirar ocorre em você? É, respirar, aquela coisa que a gente faz para entrar ar no pulmão da gente, aquela coisinha simplesinha que nem pensamos quando fazemos? Pois bem, estamos falando das duas coisas (incluindo aí a água) que mantém seu corpo funcionando para que você desempenhe suas atividades diárias, as duas coisas mais sagradas que podem existir para você, as duas coisas que, em última análise, são que mantém suas células vivas, e você, caro leitor ou leitora, possivelmente não dá a importância devida? E se ao menos pudéssemos tornar a refeição um momento crucial em nossa vida, se pudéssemos juntar nossos filhos, desligar a televisão (praga!), fechar a revista ou jornal, baixar o som, diminuir o tom de voz, conversar amenidades, e, quem sabe, fazer uma prece agradecendo o alimento que está à nossa frente? E se pudéssemos mastigar com calma, saboreando cada garfada, percebendo como aquele momento é importante para todos ali? Seria legal? E se de vez em quando, pelo menos de vez em quando, aspirássemos o ar (quando estivéssemos num lugar apropriado, obviamente) e percebêssemos como ele entra em nosso corpo, como ele pode ser percebido, como ele é saudável e importante para a gente? Seria legal? E seria também complicado de fazer, nas duas situações? Pensem a respeito.

“ Palavras verdadeiras não são lisonjeiras.
Palavras lisonjeiras não são verdadeiras.
O homem de bem não fala muito.
Quem fala muito não é homem de bem.
Homens sábios não são eruditos,
Homens eruditos não são sábios.
Quem trilha o caminho da perfeição
Não acumula tesouros.
Riqueza é para o sábio
O que ele faz pelos outros.
Quanto mais ele dá aos outros,
Tanto mais rico se torna.
Assim como de Tao brota a vida,
Assim age o sábio
Sem ferir ninguém”

“Sabedoria pelo despego”
Lao-Tsé – Tao Te Ching

É isso aí e até a próxima.