“O
mundo lá fora não vai mudar antes
que o
mundo aqui de dentro mude”.
(Deepak
Chopra)
Quando eu era mais jovem, por
volta dos meus 20 anos, perguntei a um dono de bar que frequentava com meus
amigos como era possível ele manter seu negócio funcionando mesmo naqueles
turbulentos anos de inflação alta nos anos 80, no século passado. A explicação
foi simples: nas suas palavras, afirmou que a venda contínua de três produtos
(uma marca famosa de cerveja, uma marca famosa de refrigerante e uma marca
famosa de cigarros) fazia sobreviver, direta ou indiretamente, todo o negócio.
Durante bastante tempo frequentei esse estabelecimento e percebi que era
verdade o que ele dizia.
Mais ou menos na mesma época,
também passei a frequentar um bar/restaurante que se situava geograficamente
melhor em relação ao primeiro como ponto de venda, e que tinha como clientela
um público mais numeroso e mais sofisticado. Ao proprietário deste
estabelecimento fiz a mesma pergunta e, tal qual o outro, também disse que ancorava
seu faturamento em torno dos mesmo três itens citados anteriormente.
Por que me detinha a observar
isso? Porque tanto eu como meus amigos também consumíamos os mesmos produtos e
achávamos interessante essa comparação. Acreditava que era uma coincidência,
mas na verdade estava diante de uma constatação que seria um dos fios
condutores de minha prática profissional, só não havia percebido isso ainda.
Aqui expresso um certo
reducionismo factual, mas o momento é oportuno.
Gestão de Corpo Clínico, Gestão
Clínica e Governança Clínica são termos utilizados para descrever e analisar
condutas, processos e práticas desempenhadas pelo Corpo Clínico dos hospitais e
demais estabelecimentos de saúde e que promovam, ao final, qualidade
assistencial (eficácia) e retorno de investimentos (eficiência), tanto no
ambiente público quanto no privado.
Há 15 anos ou mais, a atmosfera corporativista
nos hospitais privados, e em menor extensão nos públicos, fervilhava de
empolgação com novos conceitos e práticas de gestão que se supunham, à época,
serem aplicáveis em nosso conturbado e desigual meio, com muita frequência
importando modelos de gestão de outros países ou de instituições acadêmicas
respeitáveis. Naqueles tempos, a euforia gerada pelo bom desempenho do setor
saúde estimulava a implantação de novas ideias.
O desenvolvimento de novos conceitos, tais como a Gestão do Corpo
Clínico, ganhava relevância e andava lado a lado com um grande incentivo à
obtenção de selos de Qualidade pelas instituições prestadoras de serviços em
saúde. Melhores padrões assistenciais, supunha-se, trariam melhor
reconhecimento por fontes pagadoras, melhor reputação, accountability,
e maior transparência (esta última incorporada de forma mais tímida).
E eis que surge a Governança
Clínica, um conceito criado pelo National Health System – NHS, Reino Unido, em
1998, como parte das comemorações pelos seus 50 anos de fundação, que é
definido como:
Este quase aforismo, Governança
Clínica, vez ou outra era citado por ocasião de sua criação. Mas nos anos
recentes, passou a fazer parte da agenda dos grandes líderes em saúde, ocupando
um espaço importante para subsidiar a discussão de meios para o alcance de melhores
resultados assistenciais e financeiros para as instituições prestadoras de
serviços de saúde, tendo como ponto de partida o desempenho clínico.
De fato, é reconfortante ver como
as pessoas parecem estar compreendendo, finalmente, que dentre os muitos
caminhos e iniciativas decorrentes desse incansável trabalho de achar boas
soluções em um ambiente escasso em recursos, extremamente competitivo, algumas
vezes predatório e conivente com iniquidades históricas no ambiente hospitalar,
algo de novo (nem tão novo assim) chega para se consolidar enquanto estratégia poderosa
para o enfrentamento das adversidades do setor.
Coisa que alguns estudiosos já
sabiam nos anos precedentes, mas que não eram ouvidos.
Não há espaço para desperdício de
tempo. Os números comprovam a baixa expansão do setor, principalmente no
privado, estacionados nos eternos 25% da população detentora de um plano de
saúde. No cotidiano, formuladores de políticas de saúde manifestam pelos corredores,
baixinho, sua enorme preocupação ao ver a pobre realidade.
A Governança Clínica traz em seu
âmago a priorização da qualidade assistencial. Não favorece este ou aquele
processo material, não exalta tecnologias avançadas (e quase sempre muito caras),
não dissemina a pulverização e sim a estratificação de serviços, não se imiscui
com agentes internos ou externos que porventura queiram tirar proveito de seus
pressupostos.
Ao final, é correto afirmar que somente
um processo terá eternamente seu papel reconhecido como transformador em todas
as ocasiões, em todas as instituições, em todas as políticas públicas: a
qualidade assistencial, tendo como ponto de partida o médico, assumindo a
liderança e o protagonismo desse mesmo processo, em conjunto com uma equipe
multidisciplinar envolvida. Não há nenhuma mágica nisso.
Corpo Clínico qualificado que
faça jus a uma renumeração justa, que tenha transparência na relação bilateral
com as instâncias diretivas, além de metas de desempenho ou de processo claras e
atingíveis, com lideranças experientes e motivadas, fazem parte do pacote de
medidas a serem adotadas, mais que urgentemente, para a própria sobrevivência
da instituição. Tão claro e cristalino, tão eficiente quando comparado a um
universo enorme de pequenas e inócuas decisões no microambiente hospitalar que
foram e ainda continuam sendo tentadas, sem sucesso!!
Que seja bem-vindo o
amadurecimento desse conceito tão vivo e necessariamente tão atual, que
necessariamente precisa ser simples na concepção e compreensão, fácil na
aplicação, e absolutamente satisfatório no resultado. Medicina Baseada em
Evidência, Performance Clínica, Responsabilização e Transparência, Auditoria Clínica e Análise de Riscos formam a espinha dorsal da
Governança Clínica. Nada que já não seja de conhecimento de todos. A
dificuldade é transpor a linha entre a imaginação e a ação.
Hoje, lembrando dos bares que
frequentava na juventude, consigo enxergar um paralelo com as conclusões que
cheguei naquele tempo: a longevidade dos estabelecimentos decorre de muitos
aspectos. Mas alguns são irretocáveis e você não pode abrir mão. Uma revisão de
trás para frente nos modelos de gestão pode ser um bom começo para quem quiser
se aventurar nesse terreno.
E nessa hora, felizes aqueles que
perceberem que o sucesso da empreitada consiste fundamentalmente no fato de não
poder faltar aquela cerveja, aquele cigarro e aquele refrigerante.