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segunda-feira, 4 de julho de 2011

Resolução 259 da ANS e alguns aspectos de sua atuação

A ANS não é inimiga dos médicos. Também não carece de representatividade. Seu campo de batalha é árduo, e envolve um posicionamento político-estratégico tênue, entre a necessidade de manutenção de um mercado de saúde suplementar saudável para todos aqueles envolvidos nele, ao mesmo tempo em que tenta coibir abusos que venham a afetar o foco maior de sua atenção, ou seja, o beneficiário.

Não podemos e não devemos desconsiderar o esforço conjunto de técnicos e consultores de alto nível que fazem parte de seus quadros. E, sinceramente, democracia demais não ajuda, atrapalha. Seus membros diretivos são nomeados por méritos, e se até hoje a estrutura administrativa da agência não atende a todas as suas inúmeras funções e deveres (e, efetivamente, ainda não atende), é muito mais em função de um processo de crescimento lento em comparação com a dinâmica do mercado. Aí sim, tenho que concordar que o Governo Federal poderia contribuir melhorando sua estrutura técnico-administrativa para poder atuar mais e melhor.

A função da ANS é de polícia, e isto está previsto em suas inúmeras leis regulatórias. Só não é maior por falta de perna, como dito acima, e também porquê se for agir com rigor com todas as alternativas de intervenção, como no caso da imposição de pagamento seguindo a orientação da CBHPM, por exemplo, o estrago seria maior que o benefício.

Então posso compreender que o meio-termo (como em quase tudo na vida), é sempre bem vindo.

A medida em questão não irá superlotar consultórios. Não trará o caos, como muitos fazem questão de afirmar a todo momento. Talvez nem se revele impactante, na medida em que a maioria dos planos de saúde saudáveis (que absorvem a maioria dos usuários de planos de saúde) tem a capacidade de absorver com tranquilidade mudanças de rumo, de forma a não comprometer seus beneficiários (se bem que nem sempre o fazem). E se acontecer o caos nos consultórios, ótimo, tomara mesmo. O mercado estará num momento em que essa colaboração adicional pode, que sabe, universalizar o atendimento, ou torná-lo mais democrático.

Temos muito a evoluir nesse terreno. A agência pode ser um grande catalisador das mudanças que são necessárias. A Resolução 259 é apenas um pedaço de um todo muito maior.

Detalhes que fazem a diferença

Um administrador hospitalar de um hospital de referência em uma macro-região de São Paulo me fez uma descrição de alguns itens relacionados à assistência ao paciente em sua organização que me deixaram bastante impressionado:
1 - Opção de escolha de quartos para o paciente ao se internar, na eventualidade de haver opções;
2 - Aparelho de DVD, por locação, acompanhado de uma série de títulos (para o paciente escolher) através de um acordo com uma locadora próxima;
3 - Um funcionário do serviço de nutrição caracterizado como "maître", que visitava os pacientes em unidades abertas oferecendo um cardápio de opções para almoço e jantar, desde que adequados à prescrição nutricional. Em paralelo, um serviço de nutrição focado na satisfação do paciente e seus acompanhantes;
4 - Um funcionário do hospital visitava diariamente todos os quartos oferecendo uma infinidade de opções de leitura, através de um acordo com o jornaleiro da esquina.

Todos esses detalhes fogem completamente à missão maior do hospital de tratar de forma adequada e com a eficácia que se espera. Porém se formos analisar o cenário, qual é a organização hospitalar que não se encaixa nesse perfil, digamos, técnico-assistencial? Salvo exceções bizarras, o mercado hoje é composto em sua maioria de bons prestadores, até mesmo em função das exigências regulatórias, sanitárias e legais.

Sendo assim, como podemos nos tornar diferenciados sem fugirmos à nossa missão e sem envolvermos quantias vultosas em hotelaria, muitas vezes desprovida de qualquer sinal de calor humano?
O segredo talvez esteja numa palavrinha chamada empatia. É ela quem faz a diferença. Identificá-la como atributo em seus colaboradores é uma obrigação de todo setor de RH, e a fiscalização de seu exercício é tarefa da mais alta relevância.

O paciente não pode ter uma impressão focada unicamente na dimensão tecnológica ou baseada em indicadores de seu hospital. Ele tem que ter vivido uma experiência ao qual ele possa se recordar sempre sem torcer o nariz. É assim que se ganha posição nesse mercado competitivo, em que a maioria dos gestores estão preocupadíssimos em comparar indicadores frios e desprovidos de espírito (não que não sejam importantes também).

E, obviamente, esses conceitos podem e devem ser exercidos principalmente por aquele que é o maior diferencial para o sucesso dessa experiência: o médico.

Para os interessados no assunto, recomendo a leitura do livro excelente de Fred Lee chamado "Se Dysney administrasse seu hospital". Muito boa obra.

A propósito, a descrição feita no início deste post refere-se a uma conversa ocorrida em 1989, numa época em que ninguém respirava ainda conceitos como qualidade. Vinte e dois anos se passaram e ainda nos nos tocamos disso (o detalhe do DVD foi proposita, mas na época era videocassete).

terça-feira, 14 de junho de 2011

Os gorilas e a importância do fator humano nos hospitais

Quando eu estava na faculdade, existia uma citação atribuída a um dos antigos professores que dizia o seguinte: se você colocar meia dúzia de gorilas nesta faculdade, eles podem demorar mas acabam se formando. A partir dessa frase fiz várias conjecturas, mas a que me parecia a mais apropriada tinha duas dimensões interligadas.

A primeira delas diz respeito à importância da herança comportamental que os profissionais da área devem ter para o exercício da profissão. Os fatores tangíveis, ou seja, o conteúdo curricular, estágios e trabalhos em geral são objetivamente aferidos através de escalas consagradas de valores adotadas pelas instituições de ensino e seus avaliadores. Ou seja, a informação técnica e objetiva pode ser passada a todos, o que não ocorre com os valores, crenças, expectativas, postura e aspectos relacionais, éticos e comportamentais próprios de cada um e adquiridos ao longo da sua limitada vivência até então.

A segunda refere-se à aplicação deste manancial e atributos mensuráveis apenas por aqueles que vivem o universo da gestão de pessoas e sabem exatamente o tipo de profissional que querem para si, levando em conta exatamente esses aspectos difíceis de serem aferidos por quem não está capacitado a reconhecê-los.

O especialista Antonio Carlos Salles deu uma entrevista no Jornal A Tarde de Salvador, Bahia, em que comenta alguns desses aspectos, e ilustra com dados interessantes: 87% das pessoas são contratadas em função de questões técnicas, mas 92% são demitidas por questões comportamentais. Não é um disparate? Ou os setores de Rh selecionam mal nesse aspecto, ou não existe nenhuma estratégia organizacional para acompanhar de perto a atividade profissional do contratado. Ou ambos.

Imaginem então uma organização com suas muitas complexidades e peculiaridades chamada “hospital”. Imagine também a forma fragmentada como os serviços em geral são prestados, por seus diversos profissionais. E, aí vem o pior, imaginem os inúmeros médicos que fazem parte do Corpo Clínico prestando seus serviços de forma independente e frouxamente atrelados às rotinas da organização.

Gestão do Corpo Clínico deveria ser levado mais a sério. Vale a pena investir. Por mais que se discutam os fatores responsáveis pelo estado atual das coisas, no fundo chega-se à mesma conclusão: o envolvimento dos médicos, não importa em que proporção ou modelo, é fundamental para o sucesso de qualquer organização hospitalar.

Fugir disso é tentar fazer como os gorilas: vai demorar, mas vai se formar.

Mas, quando acontecer, vai haver tempo para competir com quem saiu na frente?

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Dia Mundial da Saúde: há algo a se comemorar?

Todas as vezes que ouvimos falar sobre a Saúde, principalmente a saúde pública, existe uma tendência quase que universal de que o que será dito a respeito do assunto tem natureza crítica e depreciativa. Não é para menos. Às vésperas de mais um Dia Mundial da Saúde, seria bom refletir com um pouquinho mais de profundidade a respeito de um tema tão relevante, sem cair na cantinela rasa com que a maioria das críticas se apóia.

É fato que existem muitos motivos para que o nível de satisfação do usuário seja tão baixo, independente de o sistema de assistência ser público ou suplementar. Problemas de financiamento, de falta de políticas claras de administração de pessoal, de capacitação e de gestão de unidades de saúde são enunciados para justificar a falta de eficiência do Sistema Único de Saúde - SUS. Na outra esfera, com uma inflação “da saúde” maior que a planejada, acompanhada do aumento de externalidades, da expectativa de vida da população e dos custos médicos, a medicina suplementar tenta encontrar a melhor forma de se manter viva no cenário. Interessante é que a despeito de tantos problemas, tanto de um lado quanto de outro, ambos os sistemas coexistem e ainda assim têm a aprovação de grande parte dos usuários que deles fazem uso.

Mas o propósito desta exposição não é fazer um comparativo entre ambos, e sim levantar a questão da saúde como um todo.

Dr. José Carvalheiro, em artigo publicado na Revista Estudos Avançados em 1999 intitulado “Os desafios para a saúde – Dossiê Saúde Pública” (http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141999000100002) faz uma interessante reflexão sobre o tema. Sem cair na tentação de repetir o óbvio, nos apresenta uma visão polissêmica deste dilema, nos mostrando que, antes de ser um problema nosso, é principalmente mundial. Inclusive em países como os Estados Unidos da América, que dedica 16% de seu produto interno bruto para financiar a saúde e é detentora de uma população de aproximadamente 40 milhões de pessoas totalmente à margem de qualquer tipo de assistência nesse quesito. A soma de população de vários países da África Subsaariana não chega a esse número.

No mesmo artigo, o autor faz uma comparação entre o jogo de forças em âmbito mundial, quando do estabelecimento de políticas de saúde para os países em geral: de um lado os princípios elementares da medicina social e da equidade/universalidade no planejamento e aplicação destas políticas pela Organização Mundial da Saúde – OMS e da Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS; e de outro os princípios neoliberais de economia da saúde, seletividade na aplicação de recursos, competitividade e marcos regulatórios administrativos e econômicos fomentados pelo Banco Mundial. No meio desse jogo de forças, sistemas completamente heterogêneos, planejados de forma assincrônica ou simplesmente não planejados, sub-financiados e não sustentáveis, que caracterizam as políticas de saúde pública vigentes na maioria dos países pobres ou em desenvolvimento, como o nosso. Desse jogo de forças resulta a configuração de um sistema de saúde em países pobres.

Tão importante quanto dissecarmos os problemas relacionados aos sistemas de saúde, principalmente os públicos, e os motivos pelos quais não atingem seus objetivos, está a necessidade, na maioria das vezes esquecidas pelos governantes que se encontram na ponta do sistema, de internalizar a simbiose entre eficácia de medidas especificamente voltadas para os cuidados em saúde, e o cenário sócio-político no qual cada sociedade está inserida. Como dizia o Prof. Sérgio Arouca, por ocasião da realização da XII Conferência Nacional de Saúde, “O Movimento da Reforma Sanitária criou uma alternativa, que se abria para uma análise de esquerda marxista da saúde, na qual se rediscutia o conceito de saúde/doença e o processo de trabalho, em vez de se tratar apenas da relação médico/paciente. Discute-se a determinação social da doença e se introduz a noção de estrutura do sistema. Começamos a fazer projetos de saúde comunitária, como clínica de família e pesquisas comunitárias, e fizemos treinamento do pessoal que fazia política em todo Brasil.”(Revista RADIS, pág. 9, número 16, dez/2003).

As bases do nosso sistema de saúde são robustas e inteligentes. Seus idealizadores tinham noção bastante clara do que, dentro dessa perspectiva, seria necessário para romper a exclusão social na qual a maior parte da população vivia na época. Dentro de um sistema hegemônico neoliberal em que vivemos, vale a pena revisitar esses conceitos que se encontram atualíssimos.

Deficiências versus avanços. Defasagem versus tecnologias. Coletivo versus individual. Em que ponto nos encontramos?

Se não há consenso, melhor não generalizar. Se não há uniformidade, melhor não padronizar. Se não há satisfação ampla, melhor não rotular.

O conceito de saúde ideal é vasto, multi-dimensional, profundo, complexo e extremamente entrelaçado com outros aspectos de nossa cultura e condição social. Afirmar peremptoriamente que é bom ou ruim tem mais a ver com que se ouve por aí ou por experiências pessoais (ou de seus familiares, amigos, amigos dos amigos, etc..).

Nesse Dia Mundial da Saúde convoco a todos, médicos e todos aqueles que de alguma forma podem contribuir para o bem estar de alguém, que simplesmente façam a sua parte. Saúde não tem pai nem mãe. É um conceito do qual nos apropriamos e fazemos uso.

Para o bem ou para o mal.