Com
frequência tenho insistido na tese de que a Gestão do Corpo Clínico
é a mola propulsora mais poderosa para a obtenção dos resultados
operacionais que toda a organização de saúde sonha em ter. É uma
tese porque é apenas uma proposição intelectual, uma ponderação
crítica, carecendo, portanto, de elementos comprobatórios de sua
validade até que seja testada na prática. E nesse patamar teórico
deve permanecer por longo tempo, posto que nesse aspecto, é nítido
nas organizações de saúde o contraste que caracteriza a existência
de iniciativas que privilegiam a introdução de ferramentas as mais
diversificadas, voltadas em última análise à melhoria dos
processos clínicos e administrativos, e a ausência de outras formas
de análise e proposição de valor, concentradas principalmente na
criação de novas pontes entre o corpo assistencial e os pacientes e
acompanhantes, num nível tal que transforme a percepção de que
esse é UM caminho
importante a ser seguido para a certeza de que esse é O caminho
a ser trilhado, um elemento que extrapola qualquer estratégia de
ação: é a proposição principal do serviço que está sendo
oferecido.
O
distanciamento entre teoria e prática no seio do corpo diretivo dos
hospitais frequentemente induz a um questionamento muito comum: em
que medida ações e adoção de políticas que nem sempre podem ser
mensuradas de forma fidedigna trazem uma receita operacional melhor
para a organização? Essa era, e continua a ser na maior parte dos
hospitais, a grande pergunta que se fazia (e ainda se faz) acerca da
eficiência da implantação de políticas de qualidade, traduzidas e
transfiguradas nos certificados de Acreditação Hospitalar.
Iniciativas no sentido de valorizar hospitais que se empenham em
adotar selos de qualidade, recompensando-os através de faixas de
remuneração diferenciadas, sem dúvida representam uma boa forma de
compensação, teoricamente, pelo esforço em tentar prestar o melhor
serviço ao usuário. Mas tem algo mais além disso, pois do
contrário todos os hospitais acreditados estariam no mesmo patamar
de reputação e desempenho, e não é novidade para ninguém que
isso não ocorre.
A
esse respeito, na edição
de dezembro/2017 da Harvard Business Review Brasil, Laurent
Chevreux, Jose Lopez e Xavier Mesnard se
propõem em um artigo a analisar essa questão, sem levar em
consideração nenhum tipo de organização em particular. Nele,
comentam que “Para
proteger a sua empresa no nível do propósito, você deve fazer da
estratégia a serva, não a senhora. As estratégias têm limites
temporais e visam a resultados específicos. Seu propósito, ao
contrário, é o que o torna constantemente relevante para o mundo. A
estratégia é apenas um dos vários meios importantes de
operacionalizar seu propósito. A conexão humana intrínseca com o
seu propósito é ainda mais importante.” Alguém
tem alguma dúvida se isso se aplica ou não aos nossos hospitais?
Não estamos, talvez até inconscientemente, deixando de valorizar
certos aspectos que, em suma, vão determinar quem somos, quem
queremos servir e como vamos fazê-lo?
Em
seu livro “Prescription for Excellence” (edição em
português “Receita
para Excelência”, Bookman, 2013), Joseph Michelli se debruça
sobre o sucesso corporativo na prestação de serviços de saúde
pelo Sistema UCLA, nos Estados Unidos. Quando analisa o poder
que as interações entre o corpo assistencial, calcadas em
pressupostos explicitamente colocados para todos os envolvidos na
cadeia de interações com pacientes e familiares, e ancoradas
principalmente em princípios (e não estratégias) tacitamente
desenvolvidas pelo exemplo e pela indicação/desenvolvimento de
lideranças, costuma citar Dr.
David Feinberg, seu presidente, como um dos mais
entusiastas na adoção das mesmas. Ele, por sua vez, tem
algumas explicações para justificar porque o sistema de hospitais
da UCLA apresenta uma receita bastante diferenciada em relação
aos demais concorrentes de mesmo porte. Para ele, não há dúvidas
de que a forma como o atendimento prestado pelo corpo
assistencial é feito, incluindo (e principalmente) o
atendimento médico, faz toda a diferença quando se fala em
lucratividade do serviço. Segundo ele, “nossos
esforços para criar uma conexão emotiva e prestar atendimento
centrado no paciente estão fortalecendo nossas indicações e
gerando novos clientes.” E
ainda “...as
indicações de pacientes e familiares são melhores do que qualquer
tipo de marketing.”
Pode
soar meio romântico e simplista demais. Talvez. Mas não resta a
menor dúvida que na onda dos modismos e adoções acríticas de
maneiras “eficientes” de alcançar avanços e diferenciais de
mercado, parece que temos nos esquecido do elemento fundamental e
catalisador de toda a cadeia produtiva que envolve o setor saúde: o
paciente. E, por mais absurdo que pareça, o pensamento vigente ainda
não conseguiu colocar esse paciente no patamar de interação
adequado: se por um lado há uma preocupação declarada com as
questões relacionadas à segurança do paciente, muito legítimas
por sinal, por outro lado pouca atenção é dada aos demais
aspectos interativos e relacionais da condição humana.
Com frequência ouvimos gestores dizerem que o sucesso de um hospital
depende de sua arquitetura bonita e moderna, seu serviço de
hotelaria perfeito, seu parque tecnológico avançado e seus
profissionais renomados. Será mesmo? Não falta alguma coisa?
Em conversas privadas chego a ouvir que nem mesmo um setor de
ouvidoria é necessário num grande hospital.
Venho
repetindo há muito tempo que a maior fronteira a ser
vencida é a da convergência de esforços para a satisfação do
paciente e seus acompanhantes, independente da estrutura hospitalar
aonde ele se encontra, do grau de complexidade ou de sua fonte de
financiamento, pública ou privada. Vejo hospitais de porte
menor, alguns públicos inclusive, mas com setores muito envolvidos
com a busca da melhor experiência do paciente. Por isso mesmo, são
muito procurados e conceituados, sem necessidade de nenhuma
estratégia de publicidade.
No
final das contas, a parte mais difícil será certamente a de
conquistar o maior de todos os tesouros: a
reputação. E nesse aspecto, a Gestão de Corpo Clínico bem feita
vai se transformar no grande diferencial dessa história, sem a menor
dúvida.
Parece
fácil, mas não é. Mas quem pagar pra ver vai sair na
frente.