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terça-feira, 3 de junho de 2025

Peter Drucker e uma pequena contribuição para a Gestão do Corpo Clínico

É impossível falar sobre a moderna administração sem citar Peter Drucker. Ao longo de seus 95 anos, o austríaco nascido em Viena deixou um legado que sustenta a maior parte da ciência da gestão mesmo após seu falecimento em 2005. Já se passaram 20 anos desde a sua morte, ainda assim poucos teóricos conseguiram criar algo tão inovador ou perene como suas ideias, ações e reflexões.

E por que essa introdução para falar de gestão clínica? Muito simples. As iniciativas rotuladas como Gestão do Corpo Clínico, Gestão Clínica e Governança Clínica, dentre outros, até hoje se confundem entre si, principalmente entre aqueles que se julgam fazer parte ou serem construtores de ideias e teorias que possam ser aplicadas no contexto da prestação de serviços de saúde. Ao contrário da administração moderna, que tem entre suas figuras icônicas pessoas como Peter Drucker, no campo das relações profissionais ou gerenciais relacionadas aos serviços de saúde, e em particular os hospitais, somos órfãos. Não temos um líder inspirador, nem mesmo temos iniciativas que possam ser compartilhadas, ou mesmo reproduzidas na íntegra em hospitais em geral, a partir de um conceito inicial que ainda não amadureceu totalmente.

Mas Peter Drucker nos dá, através de sua genialidade e originalidade, inspiração para nos apropriarmos de alguns de seus pressupostos, para que possamos aplicar em nossas organizações. Uma de suas frases mais inspiradoras, dentre muitas está aquela que diz a respeito à prática da liderança:

“Administração é fazer certo as coisas. Liderança é fazer as coisas certas.”

O autor, além de um conhecimento aprofundado sobre o mundo das organizações em geral, nos brinda com essa assertiva, que se encontra no âmago das ações bem sucedidas e pouco reconhecidas dentro dos hospitais. Desde muito cedo reconhece que a liderança está nas ações cotidianas, que movem os hospitais na direção da eficácia, respeitando o ambiente hospitalar como dotado de especificidades múltiplas e peculiares.

A transformação dentro dos hospitais deveria ser aquela que promova o melhor entendimento das necessidades assistenciais que definitivamente não consistem fundamentalmente em aparatos tecnológicos, big-data ou granito nos pisos. A transformação necessária coloca em contraposição saudável o hospital contra o próprio hospital, e numa etapa posterior o hospital versus outros hospitais que competem pela mesma fatia de mercado.

A construção de uma cultura que evolua nas suas concepções acerca do papel do corpo clínico, e por conseguinte o processo assistencial de qualidade, sempre me pareceu a melhor forma de pender a balança na direção da excelência, sem que para isso necessariamente seja necessário um selo de Acreditação, por exemplo.

Mas nos hospitais brasileiros não parece ser essa a prioridade da alta direção, preocupada que está com seu fluxo de caixa e pelo asfixiamento por parte dos pagadores, que a cada ciclo inventam novas formas de sacrificar financeiramente essas organizações. Visto por esse ângulo, de fato estamos nos distanciando dessa construção.

Os pilares para a implantação de uma Gestão do Corpo Clínico robusto e eficaz está na sua capacidade de identificar seus gargalos assistenciais, mapeá-los da forma que for melhor percebidos, identificar lideranças que efetivamente possam agir como influenciadores, e de forma não necessariamente sistemática implantar rotinas e processos assistenciais que sejam claros para todos aqueles que a partir daquele momento passarão a seguir.

Em suma, transformar a gestão do negócio em uma gestão da assistência, colocando como foco o seu maior ativo (que não é seu corpo funcional): os pacientes que daquele serviço fazem uso.  O prêmio, ao final da iniciativa, é a construção de uma reputação que ao final e ao cabo, vai provocar uma quantidade enorme de economia em reuniões e ações de marketing. Num mundo ideal, ficaria assim bem mais fácil responder à seguinte questão: quais os melhores hospitais e baseado no que são melhores?

Não há soluções imediatas nem receita de bolo. Se assim o fosse, as iniciativas para isso já teriam sido implantadas e não existiriam hospitais de qualidade assistencial questionável. Os grandes hospitais já despertaram para isso há algum tempo, e estão colhendo seus frutos agora. Cada um ao seu jeito, respeitando sua missão e seu valores. Não sem vencer suas próprias batalhas.

Mas a grande maioria dos hospitais brasileiros não tomaram as iniciativas necessárias para essa transformação. As ferramentas estão lá, mas falta quem saiba manejá-las.

Os representantes da alta direção e os investidores, se conseguirem entender que essa é uma iniciativa que vale a pena ser tentada, poderão, dentro de sua realidade assistencial, incentivar a formação de espaços de discussão que privilegiem essas questões, elegendo, talvez uma liderança que aja como Drucker recomenda: faça a coisa certa. Afinal, “Gerenciamento é substituir músculos por cérebro, folclore por conhecimento, e força por cooperação”.

Quanto à falta de definição sobre o que vem a ser Gestão do Corpo Clínico e os outros conceitos ditos no início desse texto, não faça disso uma prioridade. Importante mesmo é agir.

Em sua obra mais popular (O Gestor Eficaz - Editorial LTC - Livros Técnicos e Científicos Editora Ltda, 1990), Peter Drucker sentencia:

“Uma organização que apenas perpetua o nível atual de visão, excelência e realização é porque perdeu a sua capacidade de adaptar-se, e, como a única coisa certa nos negócios humanos é a mudança, não será capaz de sobreviver em um futuro alterado”.

A publicação dessa obra foi em 1966.

Estamos atrasados. 

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