A assimetria de informação, tão
própria do setor saúde, tem o seu ápice naquelas circunstâncias em que o
paciente submete seu corpo inteiramente aos dons do profissional, que procederá
da forma que julgar naquele momento a mais indicada para a resolução de um
problema que ora se apresenta, seja de forma invasiva ou não. E o Setor de
Emergência é o mais visível para as mídias e para a população em geral, uma
verdadeira salada de situações que refletem de forma boa ou má a agudeza desse
cenário.
A sala de cirurgia é outro local
especial, na medida em que a integridade do corpo do paciente, do nosso corpo,
é violada pelos instrumentos de trabalho de um profissional que em uma
infinidade de vezes nunca tivemos a oportunidade de conhecer pessoalmente, e
muito menos ainda no exercício de seu labor.
E das Unidades de Terapia
Intensiva então, que dizer? Sob efeito de drogas sedativas e analgésicas
potentes, e muitas vezes com dispositivos acoplados que impedem a comunicação e
movimentação com o meio, o paciente pode ser vítima do próprio corpo, um animal
de experimentação para tentativas de restabelecimento de funções, que podem ou
não lograr êxito a depender da eficácia das ações que sobre ele recaem, e do
desempenho daqueles que estão por detrás delas.
Todo esse preâmbulo tem por
finalidade adicionar um comentário ao já desgastado noticiário (e imaginário)
que cerca a prisão da médica chefe da UTI Geral do Hospital Evangélico de
Curitiba. Nesse episódio, considero importante a recomendação de que não
retrocedamos mais no árduo trabalho que os intensivistas em geral desenvolvem
no sentido de romper mitos e paradigmas acerca dos propósitos da medicina
intensiva. Dentro das UTI’s não se matam pessoas. Dentro das UTI’s não se
expõem pacientes a riscos desnecessários, muito menos a sofrimentos físicos ou
psicológicos intencionalmente. E dentro das UTI’s, ninguém, repito, ninguém
trabalha sozinho.
Atitudes circenses, grosseiras ou
deselegantes de qualquer profissional de saúde não são muito diferentes de
outros campos de atuação. A grande diferença é que seu paciente/cliente encontra-se
num momento de fragilidade enorme e cheio de expectativas. Afinal, dificilmente
alguém vai ao hospital por vontade própria ou por prazer. Daí a
responsabilidade adicional do profissional que trabalha numa UTI, por exemplo,
de ser mais atencioso e equilibrado na hora de se apresentar ou de se
relacionar interna ou externamente.
Mas não confundamos as coisas.
Experiência, carisma e conhecimento técnico continuam sendo tão importante
quanto ou até mais que os anteriores. E, conforme muitos acreditam, é o que
efetivamente fará a diferença no desfecho clínico dos pacientes aos seus
cuidados.
Você, gestor hospitalar, trate de
ficar atento às suas lideranças. Por mais bem qualificadas que elas sejam do
ponto de vista de formação e experiência, se não forem identificados nelas
elementos em seu perfil que contemplem a capacidade de trabalhar em grupo, a
preocupação com a “moral” e a imagem do setor, e por fim, uma postura
apropriada para o exercício de tal liderança, é melhor que se apresse em
corrigir essas distorções.
Nesse caso recente, quem ficou
mal na fita foi a organização e seus gestores. Porque a médica em questão tinha
um superior hierárquico, que a conhecia bem. E assim é que todo o trabalho
sério que acompanha a rotina das UTI’s, na conquista da confiança de pacientes
e familiares, dá um passo para trás. Porque você, gestor, não fez o seu
trabalho.
Vamos refletir um pouco antes de
fazermos nosso julgamento, e, principalmente, vamos aprender com o fato. Seja
ele fundamentado ou não.
À luz dos princípios que conduzem
as modernas organizações hospitalares, não há mais espaço para segredos ou
omissões. Médico bom é médico que não tem medo de mostrar como trabalha.
Nem de contar o que faz.
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