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terça-feira, 3 de junho de 2025

Peter Drucker e uma pequena contribuição para a Gestão do Corpo Clínico

É impossível falar sobre a moderna administração sem citar Peter Drucker. Ao longo de seus 95 anos, o austríaco nascido em Viena deixou um legado que sustenta a maior parte da ciência da gestão mesmo após seu falecimento em 2005. Já se passaram 20 anos desde a sua morte, ainda assim poucos teóricos conseguiram criar algo tão inovador ou perene como suas ideias, ações e reflexões.

E por que essa introdução para falar de gestão clínica? Muito simples. As iniciativas rotuladas como Gestão do Corpo Clínico, Gestão Clínica e Governança Clínica, dentre outros, até hoje se confundem entre si, principalmente entre aqueles que se julgam fazer parte ou serem construtores de ideias e teorias que possam ser aplicadas no contexto da prestação de serviços de saúde. Ao contrário da administração moderna, que tem entre suas figuras icônicas pessoas como Peter Drucker, no campo das relações profissionais ou gerenciais relacionadas aos serviços de saúde, e em particular os hospitais, somos órfãos. Não temos um líder inspirador, nem mesmo temos iniciativas que possam ser compartilhadas, ou mesmo reproduzidas na íntegra em hospitais em geral, a partir de um conceito inicial que ainda não amadureceu totalmente.

Mas Peter Drucker nos dá, através de sua genialidade e originalidade, inspiração para nos apropriarmos de alguns de seus pressupostos, para que possamos aplicar em nossas organizações. Uma de suas frases mais inspiradoras, dentre muitas está aquela que diz a respeito à prática da liderança:

“Administração é fazer certo as coisas. Liderança é fazer as coisas certas.”

O autor, além de um conhecimento aprofundado sobre o mundo das organizações em geral, nos brinda com essa assertiva, que se encontra no âmago das ações bem sucedidas e pouco reconhecidas dentro dos hospitais. Desde muito cedo reconhece que a liderança está nas ações cotidianas, que movem os hospitais na direção da eficácia, respeitando o ambiente hospitalar como dotado de especificidades múltiplas e peculiares.

A transformação dentro dos hospitais deveria ser aquela que promova o melhor entendimento das necessidades assistenciais que definitivamente não consistem fundamentalmente em aparatos tecnológicos, big-data ou granito nos pisos. A transformação necessária coloca em contraposição saudável o hospital contra o próprio hospital, e numa etapa posterior o hospital versus outros hospitais que competem pela mesma fatia de mercado.

A construção de uma cultura que evolua nas suas concepções acerca do papel do corpo clínico, e por conseguinte o processo assistencial de qualidade, sempre me pareceu a melhor forma de pender a balança na direção da excelência, sem que para isso necessariamente seja necessário um selo de Acreditação, por exemplo.

Mas nos hospitais brasileiros não parece ser essa a prioridade da alta direção, preocupada que está com seu fluxo de caixa e pelo asfixiamento por parte dos pagadores, que a cada ciclo inventam novas formas de sacrificar financeiramente essas organizações. Visto por esse ângulo, de fato estamos nos distanciando dessa construção.

Os pilares para a implantação de uma Gestão do Corpo Clínico robusto e eficaz está na sua capacidade de identificar seus gargalos assistenciais, mapeá-los da forma que for melhor percebidos, identificar lideranças que efetivamente possam agir como influenciadores, e de forma não necessariamente sistemática implantar rotinas e processos assistenciais que sejam claros para todos aqueles que a partir daquele momento passarão a seguir.

Em suma, transformar a gestão do negócio em uma gestão da assistência, colocando como foco o seu maior ativo (que não é seu corpo funcional): os pacientes que daquele serviço fazem uso.  O prêmio, ao final da iniciativa, é a construção de uma reputação que ao final e ao cabo, vai provocar uma quantidade enorme de economia em reuniões e ações de marketing. Num mundo ideal, ficaria assim bem mais fácil responder à seguinte questão: quais os melhores hospitais e baseado no que são melhores?

Não há soluções imediatas nem receita de bolo. Se assim o fosse, as iniciativas para isso já teriam sido implantadas e não existiriam hospitais de qualidade assistencial questionável. Os grandes hospitais já despertaram para isso há algum tempo, e estão colhendo seus frutos agora. Cada um ao seu jeito, respeitando sua missão e seu valores. Não sem vencer suas próprias batalhas.

Mas a grande maioria dos hospitais brasileiros não tomaram as iniciativas necessárias para essa transformação. As ferramentas estão lá, mas falta quem saiba manejá-las.

Os representantes da alta direção e os investidores, se conseguirem entender que essa é uma iniciativa que vale a pena ser tentada, poderão, dentro de sua realidade assistencial, incentivar a formação de espaços de discussão que privilegiem essas questões, elegendo, talvez uma liderança que aja como Drucker recomenda: faça a coisa certa. Afinal, “Gerenciamento é substituir músculos por cérebro, folclore por conhecimento, e força por cooperação”.

Quanto à falta de definição sobre o que vem a ser Gestão do Corpo Clínico e os outros conceitos ditos no início desse texto, não faça disso uma prioridade. Importante mesmo é agir.

Em sua obra mais popular (O Gestor Eficaz - Editorial LTC - Livros Técnicos e Científicos Editora Ltda, 1990), Peter Drucker sentencia:

“Uma organização que apenas perpetua o nível atual de visão, excelência e realização é porque perdeu a sua capacidade de adaptar-se, e, como a única coisa certa nos negócios humanos é a mudança, não será capaz de sobreviver em um futuro alterado”.

A publicação dessa obra foi em 1966.

Estamos atrasados. 

Corpo Clínico hospitalar diante da nova realidade assistencial

Imagine uma sociedade perfeita, em que as pessoas são cordiais e cultas, a propriedade privada não existe, e o tecido social padroniza-se pela ausência de conflitos e problemas, e para completar a igreja detém de forma sábia um poder moderador sem ultrapassar seus limites éticos e morais, e que se isola dos males políticos e econômicos de seu tempo. Você que me lê deve estar pensando que estou descrevendo um país de regime socialista ou social democrático que de tão perfeito não aparece no mapa. Na verdade, estou descrevendo o pano de fundo aonde se desenvolve a obra de maior importância do inglês Thomas Morus, “Utopia”, publicada em 1516. Advogado, político, embaixador, ensaísta e católico fervoroso, descrevia, naquela época, as circunstâncias políticas que estavam, segundo o autor, corrompidas dentro da Inglaterra no reinado de Henrique VIII, que se destacava por uma postura extremamente despótica em relação ao seu governo.

Agora imagine um hospital em que você, como paciente, é recebido de forma calorosa, mas não necessariamente afetada, os trâmites para o processo de internação são rápidos e você é logo transferido a um leito. Seu médico logo vem lhe visitar, mas você sabe que se precisar de algo sempre haverá alguém para atender ao seu chamado. Sua refeição chega quentinha e gostosa, as amenidades oferecidas estão ao seu gosto e você, após resolver o motivo pelo qual se internou, vai para casa num espaço de tempo bem curto e com todas as orientações e instruções sobre o que fazer no caso de acontecer quaisquer problemas relacionados ao procedimento para o qual você foi internado.

Os gestores desse suposto hospital conseguem conduzir sem retardos todos os processos clínicos e administrativos, as fontes pagadoras não promovem glosas nem exigem descontos para repasse de valores anteriormente acordados, e agora não cumpridos, os pagamentos são feitos no tempo devido e de forma satisfatória a fornecedores, profissionais e demais membros da cadeia de produção necessária ao pleno funcionamento da estrutura.

Do ponto de vista de eficiência, efetividade, legalidade e principalmente moralidade, me parece haver um paralelo entre o enredo utópico da obra de Morus e esse suposto hospital.

Por isso, não deixo de ter um sentimento estranho de que falta alguma coisa quando analiso textos ou vou a encontros com lideranças que fazem a gestão dos hospitais, e do próprio sistema de saúde que escolhemos como fio condutor de nossas práticas. Grosseiramente falando, é como se a todo momento estivéssemos à frente de um sistema que nos é apresentado como uma coisa muito boa, e que no final das contas, sob a letra fria dos números, se revela como oficialmente eficaz. Mas os processos que formam a etapa intermediária entre a proposição e o resultado nem sempre são convincentes, e principalmente transparentes, sob diversos aspectos.

Dentre os incontáveis pontos que poderiam ser analisados a esse respeito, a questão do Corpo Clínico é a que muito me incomoda. E incomoda porque existe uma infinidade de instituições que não parecem estar preocupadas com as consequências da atuação de um Corpo Clínico de qualidade, salvo algumas instituições robustas e consagradas. E essa atuação tem que ser de qualidade mesmo, pois se assim não for todo o processo assistencial fica comprometido. Isso não é novidade para ninguém.

Mas com tantas transformações acontecendo no mercado de saúde, isso tem alguma relevância?

Os hospitais privados que atendem primordialmente a clientela particular e usuários de planos de saúde tem cada um deles um histórico que privilegia a sua missão, e a ele está submetido, como uma lei magna. Gestores comprometidos com a qualidade assistencial não oferecem espaços para contestação desses valores, sempre claros e bem definidos, sob coordenação e gerência de profissionais próprios competentes, e auditados com frequência. Seu grau de excelência se destaca perante a comunidade e nos mostra, de forma cabal e inquestionável, que é possível crescer mesmo em tempos ruins. E olha que nem estamos falando em selos de Acreditação.

Os demais assemelhados seguem ou tentam seguir seus próprios valores e estratégias na expectativa de alcançar reputação suficientemente alta para competir num mercado acirrado. Mas em ambos os casos, a busca por um Corpo Clínico qualificado continua sendo uma preocupação constante, pelo simples fato de que sem isso não há qualidade assistencial, e se não há qualidade assistencial, não se alcança reputação alguma.

Mas e os hospitais públicos?

Assistimos a tantas mudanças e em tão pouco tempo na prestação de serviços hospitalares públicos que às vezes a gente se perde. No bojo da Lei Orgânica do SUS (Lei 8.080) e na Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656), a prestação de serviços públicos por empresas privadas (a maioria dela Organizações Sociais de Saúde – OSS, outras tantas autarquias na forma de Consórcios Intermunicipais de Saúde - CIS; ou empresas públicas de direito privado tais como a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares – EBSERH) passou de possível para sistêmica, de tal maneira que essa forma de mercantilização do SUS que antes pedia licença para se apresentar, hoje é desejada pelo hospital, que busca a empresa na porta, acomoda no sofá e ainda serve um cafezinho.

Tal mudança no perfil gerencial em nível macro há algum tempo vem provocando incômodo no corpo assistencial estabelecido: aumentou muito a conversa baixinha, ao pé do ouvido, entre médicos nos corredores dos hospitais, sobre o assunto. Muitos se sentem ameaçados, ou percebem que seus instrumentos e espaço de trabalho, ou equipe de apoio, já não está disponível como antes, para a realização de um trabalho que um dia foi considerado bom. Os vencimentos oferecidos aos médicos terceirizados são superiores aos dos médicos da casa, concursados ou selecionados. Os editais para seleção são algumas vezes risíveis na sua elaboração...alguém até agora não se identificou nesse cenário?

Façamos então um processo licitatório, como ordena a lei, para ocupar setores e especialidades necessárias ao atingimento de metas previamente acordadas e que condicionam ao final o repasse ou não de verbas.

Nesse momento o encanto se rompe.

Todo o esforço que a instituição teve de manter os parcos processos clínicos eficientes começam a se tornar dispensáveis: afinal, quando o hospital abre a perspectiva de uma empresa se responsabilizar por um espaço tão nobre como o Corpo Clínico, ele abdica de seu pétreo dever de fiscalizar o andamento do serviço e de cobrar qualidade e eficiência. Nos contratos de terceirização de serviços médico, os profissionais que compõe essas equipes frequentemente nunca colocaram um pé naquele hospital para o qual está sendo convidado a trabalhar, alguns tem uma formação de qualidade duvidosa, grande parte são recém formados sem experiência ou muito velhos para ocupar certas funções, eventualmente alguns falsificam diplomas, carimbos ou outros documentos. Outros tantos não se encontram regulares perante o Conselho Federal de Medicina ou a justiça, ou simplesmente não reúnem qualificações necessárias para exercer a função.

A regra é clara. Se a responsabilidade de contratar passou para terceiros, são os terceiros que teoricamente devem passar a zelar pela qualidade da prestação do serviço. Ou seja, seu hospital, seu local de trabalho, deixa de lado a gestão clínica. Se não há gestão clínica, ou ela somente se aplicará aos profissionais que ainda não foram substituídos por terceiros, a tarefa que já não era fácil com um Corpo Clínico coeso, passa a ser quase impossível quando fragmentado. E, na prática, a argumentação de que os novos profissionais terceirizados exercerão seu trabalho subordinados às normas estabelecidas costuma ser uma tremenda falácia. Basta um olhar mais atento.

Hospitais com reconhecimento de sua governança e qualidade dificilmente terceirizam algum médico ou equipe, justamente porque sua excelência proporciona bons vencimentos, bom ambiente de trabalho e regime de contratação único, muitos com plano de carreira inclusive. É um circulo virtuoso em que empresa, o profissional, e principalmente os pacientes saem ganhando. Hospitais que ainda não alcançaram essa condição, seja público ou privado, precisam rastejar atrás de profissionais ou equipes que façam um trabalho que com frequência não pode ser feito por ausência de profissionais disponíveis, qualificados ou que aceitem os salários ofertados.

Mas, ainda assim, ao final os resultados prevalecem: segundo o Instituto Brasileiro de Organizações Sociais de Saúde – IBROSS, as OSS entregam um resultado melhor em relação às unidades que não tem sistemas de gestão terceirizado (https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/a-verdade-sobre-as-organizacoes-sociais-de-saude/), o que é reforçado por Mendes e Bittar com dados da Secretaria Estadual de Saúde do Estado de São Paulo (https://portal.saude.sp.gov.br/resources/ses/perfil/profissional-da-saude/destaques//bepa_164_gais_22_v2.pdf) .

Mas terceirização da assistência médica, a partir da contratação de empresas, caracteriza descumprimento das decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que proíbem a terceirização de “atividades-fim” (https://www.scielo.br/j/sssoc/a/MhHy6ytmCHGBdDgF4ntBsHf/?format=pdf&lang=pt) . Borges traz mais alguns elementos contributivos para essa discussão, numa análise mais aprofundada e preocupante em seu texto publicado no site da Jusbrasil (https://www.jusbrasil.com.br/artigos/terceirizacao-da-atividade-medica/1153999666) .

Essa é outra discussão quente e não pacificada.

Existem muitos aspectos que permeiam essa relação entre o público e o privado, que fogem à discussão proposta nesse texto. Mas como médico e gestor, posso afirmar que só quem está respirando a atmosfera das dependências dos hospitais com Corpo Clínico terceirizado pode entender que essa transição de cenários, do público para o privado, cria a sensação de que o Corpo Clinico não tem tanta relevância assim. Ainda pairam muitas dúvidas acerca desse modelo de prestação de serviços médicos intra-hospitalares se é ou será uma boa alternativa para quem está preocupado com a qualidade assistencial. Poucos estudos sobre o desempenho do Corpo Clínico entre hospitais geridos por OSS têm sido conduzidos, e praticamente nenhum benchmark entre esses hospitais tem se mostrado à altura para responder a essa questão.

Não bastasse a ausência de trabalhos que de forma clara e transparente falem sobre os processos de terceirização do Corpo Clínico e que possam ser apresentados nos diversos fóruns de gestão hospitalar que se proliferam pelo país, há uma percepção de que, de fato, isso não parece ter importância. O movimento veio para ficar e sabe-se lá como os gestores vão lidar com isso mais à frente, porque, não tenham dúvidas, os conflitos cresceram. Outros preferem não se expor com receio de represálias ou alijamento politico (outro componente frequentemente associado a ineficiência), preferindo dizer o milagre, mas não o nome do santo. Falar a sério sobre isso incomoda.

Talvez esteja na hora do tema ser abordado de forma sistêmica, revelando também como os processos de terceirização do Corpo Clínico acontecem, e não apresentar somente resultados. Mas tenho a sensação que esse é um assunto que ninguém vai expor, ainda que seja para provar o contraditório. Transparência é um atributo às vezes difícil de mostrar e pode trazer mal estar para quem ainda não aprendeu a reconhecer o seu valor.

O fato é que os hospitais morrem quando seu Corpo Clínico passa a ser mercadoria barata. E muitos hospitais estão morrendo por dentro.

Thomas Morus morreu na plenitude de sua trajetória, em julho de 1535. O motivo, dentre outros, foi a recusa em endossar a separação da Igreja da Inglaterra da Igreja Católica de Roma, sob ordens do monarca Henrique VIII. Sustentou seus princípios até o fim, acreditando na justiça e no respeito à integridade do caráter humano, como na sua Utopia.

Foi executado. Deu no que deu.

O Tempo Médio de Permanência e suas implicações na gestão clínica

 

“A prova do nosso progresso não é se aumentamos a abundância dos que têm
 

muito, mas se providenciamos o suficiente para os que têm muito pouco.”

                                   Franklin D. Roosevelt, ex-presidente dos Estados Unidos

Há muitos anos, os conceitos de Qualidade têm sido incorporados no dia a dia dos hospitais, como tentativa de melhorar os desfechos clínicos dos pacientes aos seus cuidados, e também melhorar seu desempenho comercial – este sendo resultado direto do primeiro.

Até aí nada de novo. Todas as organizações hospitalares têm atualmente, em proporções variáveis, essa preocupação, a despeito do flerte contínuo com a insolvência econômica, no caso dos hospitais privados, e com os rombos orçamentários e fracassos gerenciais no caso dos hospitais públicos.

De fato, a aplicação das ferramentas de Qualidade tem relação direta com o registro de indicadores hospitalares, a partir de situações gerenciais do cotidiano. E, dentre estes, acho muito oportuno refletir com maior profundidade sobre o indicador “Tempo Médio de Permanência”, considerado como integrante do grupo dos indicadores de desempenho hospitalar.

Não se trata de nenhum demérito dos demais indicadores, todos com seu potencial enriquecedor para as melhorias assistenciais, que é ao final a função dos indicadores. Mas nesse caso, o arcabouço teórico que lhe serve de base, assim como seus múltiplos desdobramentos, faz do Tempo Médio de Permanência, doravante chamado TMP, uma ferramenta muito poderosa para trazer ao gestor informações com alto grau de relevância:

“Seu potencial de contribuição está assentado numa base sólida conceitual, que inclui a compreensão do que vem a ser a Ciência Econômica e seus pressupostos teóricos, sua interseção com as políticas de saúde (cristalizadas na Economia da Saúde), e seu íntimo relacionamento com as concepções de eficácia tão bem elencadas nos pilares da Governança Clínica. Tempo Médio de Permanência (TMP) tem relação direta com a qualidade assistencial, e pode ser capaz de revelar caminhos para uma boa gestão clínica dos pacientes internados nos hospitais” (SCARDUA, 2021)

Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o cálculo do TMP se faz a partir da fórmula:

TMP: Σ número de pacientes/dia no período / Σ número de saídas no período
Numerador: somatório de pacientes-dia do hospital no período de um mês
Denominador: somatório de altas, transferência externas e óbitos no período de um mês

Sua importância justifica-se pelos seguintes motivos:

1- Importância para os pacientes, para que sejam adequadamente assistidos e seus problemas sejam resolvidos no menor tempo necessário;

2- Importância para os hospitais, para que o tempo necessário de internação seja suficiente e adequado na resolução dos problemas clínicos dos pacientes, evitando prolongamento desnecessário da permanência, e assim reduzindo riscos de eventos adversos e consequentemente maiores custos de internação;

3- Importância para as fontes mantenedoras, que dão suporte financeiro à estrutura assistencial hospitalar, este por sua vez condicionado a repasses orçamentários de acordo com o atingimento de metas específicas de produção e processo, sem desperdício de recursos;

4- Importância para a sociedade como um todo, que vai se utilizar dos serviços oferecidos pelas instituições hospitalares com maior acessibilidade, em função de maior disponibilidade de leitos, por sua vez melhor gerenciados dentro de um contexto de melhor qualidade assistencial.

Em suma, o adequado gerenciamento do TMP pode significar uma melhor eficiência assistencial, aumentando a rotatividade de leitos e fazendo com que mais pacientes possam se beneficiar de um leito hospitalar para a resolução de seus problemas de saúde que não podem ser resolvidos em outro ambiente

A Agência Nacional de Saúde – ANS, em 2013, define o Tempo Médio de Permanência:

           “…está relacionado a boas práticas clínicas. É um indicador clássico de desempenho hospitalar e está relacionado à gestão eficiente do leito operacional. O leito hospitalar deve ser gerenciado como um recurso caro e complexo, o qual deverá ser utilizado de forma racional e com a indicação mais apropriada de forma a estar disponível para os indivíduos que necessitem deste recurso para recuperação da saúde. A média de permanência em hospitais agudos acima de sete dias está relacionada ao aumento do risco de infecção hospitalar” (AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR (ANS), 2013).

Existem diferentes percepções acerca de qual seria o TMP adequado para o melhor desempenho da organização hospitalar, pois estão subordinadas a diferenças culturais, estruturais e de função social de cada hospital, em cada país. Mas o fato em si não se altera. A identificação de fatores que podem contribuir para prolongar o TMT são imperativos quanto à busca e sua erradicação. E e são numerosos, boa parte deles fugindo do alcance de medidas que poderiam trazer melhoria por parte da gestão dos hospitais. Mas também são muitas aquelas que podem ser corrigidas ou mitigadas, por se tratarem de processos (ou a falta deles).

Segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos – DIEESE, o Brasil tem 2,3 leitos hospitalares para cada mil habitantes, inferior à média global (3,2 por mil) e da recomendação do Ministério da Saúde de 2,5 leitos por 1.000 habitantes. A face mais dramática dessa desproporcionalidade foi escancarada na recente pandemia por COVID, onde muito morreram por falta de, e principalmente, leitos hospitalares disponíveis.

A figura a seguir reflete bem a situação do Brasil em comparação com outros países:

tmp.png

Os gráficos abaixo exemplificam alguns dos vários aspectos relacionados ao TMP. Um deles está ligado ao tipo de hospital de acordo com a esfera gerencial:

tmp-brasil.png

Esta outra imagem mostra o estimado para hospitais do Sistema Único de Saúde – SUS (e que facilmente podem ser extrapolados para a assistência suplementar), de acordo com o tipo de especialidade:

tmp-SUS.png

Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Regulação, Avaliação e Controle de Sistemas Critérios e Parâmetros Assistenciais para o Planejamento e Programação de Ações e Serviços de Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília, 2017

O mais importante, dentre todas as considerações, é desenvolver a sensibilidade quanto a questão da necessidade de reunir dados que consigam traduzir aquilo que a organização é, e aonde quer chegar, independente de seu porte, de sua estrutura hierárquica, de sua esfera de prestação de serviço, de sua localização, de sua base de financiamento ou de seu perfil assistencial.

Por que dá trabalho ir atrás dessas informações. Exige planejamento e uma equipe motivada, inclusive para estabelecer perfis para benchmark com organizações semelhantes. Precisa do apoio irrestrito da alta direção e precisa saber escolher os melhores caminhos. Enfim, precisa de liderança, organização e estrutura operacional. E é bom que seja dito: não necessariamente necessita da contratação de uma entidade certificadora de Acreditação Hospitalar para alcançar tudo isso de uma só vez.

O TMP espelha uma das facetas das organizações hospitalares, dentre muitas. Sua vantagem sobre as demais reside no fato de ser de fácil obtenção, fácil processamento e no potencial imenso de juntar informações relevantes que pode reunir, identificando os gargalos assistenciais que impedem o melhor resultado assistencial e operacional, com a rápida e segura experiência do paciente. Isso, por si só, já cria um diferencial competitivo de enormes proporções, além de incutir na comunidade à qual presta seus serviços a cobiçada estrelinha chamada reputação.

Um grande problema é que os esforços para a obtenção e acompanhamento dos dados e a sua transcrição para a elaboração do indicador não costumam ser privilegiados dentro da rotina hospitalar, perdidos que estão dentre tantas atribuições. Mas se não há uma estrutura completa para esse propósito, e se o orçamento anda curto, conhecer a operação hospitalar mais de perto se utilizando de um indicador como o TMP pode ser um ótimo começo.

Afinal, uma longa jornada começa com um único passo.

 Referências: 

1 – Scardua, S.M.F.: “Análise do indicador Tempo Médio de Permanência e sua contribuição para um melhor desempenho assistencial em hospitais do Sistema Único de Saúde”. Disponível em https://economia.saude.bvs.br/base_ecos/?filter=author:%22Sc%C3%A1rdua,%20Sandro%20M%C3%A1rcio%20Frizzera%22Acesso em: 27 jun. 2024

2 – AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR (ANS). Média de Permanência Geral. [s.l: s.n.].Disponível em: . Acesso em: 27 jun. 2024

3 – LA FORGIA, G. M.; COUTTOLENC, B. F. Desempenho Hospitalar no Brasil – Em Busca da Excelência.1. ed. [s.l: s.n.]81–861 p

4 – Informe DIEESE RS de 08 de abril de 2020 Disponível em https://cpers.com.br/wp-content/uploads/2020/04/20200408-Informe-ERRS_Numero-de-leitos-por-habitante.pdf Acesso em 29 jun 2024