Existe uma frase atribuída a Max Nunes que diz o seguinte: “Há uns casais que se detestam tanto que não se separam só pra
um não dar esse prazer ao outro”. Pois nas relações comerciais e
profissionais parece que algumas vezes acontece a mesma coisa.
O
casamento entre prestadores de serviço e os intermediários de serviços médicos,
chamados popularmente de operadoras de planos de saúde (sim, caro leitor, são
intermediários na prestação de serviço), já ruiu há algum tempo. Ele vinha
sobrevivendo a crises consecutivas, cada uma mais grave que outra, até que se
extinguiu. Não há mais simpatia. Nem respeito. Nem consideração. Igualzinho
como entre duas pessoas que um dia imaginavam construir algo de concreto e de
benefício mútuo, mas que percebem que não é bem assim que as coisas são.
Duvida?
Olhe ao redor. A despeito do aumento em números reais da quantidade de usuários
de planos de saúde no nosso país, a qualidade do serviço prestado pelos atuais
“players” do mercado fica muito a desejar. Todo mundo sabe disso. O índice de
insatisfação dos usuários e prestadores subiu na mesma proporção em que as
relações entre as operadoras, prestadores (principalmente médicos) e usuários
azedou.
Esses
últimos, agora reféns de uma escolha feita pelo RH da empresa em que trabalha e
que na maioria das vezes não tem o poder de decidir que operadora sua empresa
irá escolher para fornecer o tal plano de saúde, ou não têm informação
suficiente para estabelecer juízo de valor nessa escolha; já não sabem a quem
recorrer. Até porque é sabido por todos que o custo de levar a termo qualquer
contestação judicial a respeito de uma atitude considerada inaceitável pelas
operadoras para com um usuário ainda assim é compensada pela manutenção de estratégias
que visam impedir ou dificultar o acesso aos seus serviços. Os prêmios
(mensalidades) anunciados são ridículos e irreais, baseados em cálculos
atuariais tendenciosos e inflados por um senso de oportunismo que até hoje
ninguém se atreveu a regular.
Os
profissionais, notadamente os médicos, parecem se comportar como numa relação
de namoradinhos adolescentes: se não fizer isso, eu faço bico. Se não me pagar
como eu quero, eu paro de atender um, dois, dez dias, não importa. Se não me
der condições para atuar dentro que eu considero mais adequado do ponto de
vista de liberdade de ação, eu também não quero mais brincar.
Toda
relação tem suas regras, escritas ou não, que se traduzem, nesse caso, em
contratos, termos de ajuste os mais diversos, e em atitudes tácitas baseadas na
ética e no bom senso. Há, sem sombra de dúvida, uma quebra de todos esses
paradigmas. Sonegar uma remuneração justa é apenas um desses aspectos.
Assim
sendo, por que permanecer mantendo a aparência de um casal que se dá bem,
quando o que ocorre é o oposto? Já não é chegada a hora da categoria, através
de suas entidades representativas, assumir unilateralmente a falência deste
modelo de relacionamento, que em última análise acaba por nos tornar cúmplices
dessa não disfarçada ação espoliadora sobre aqueles aos quais juramos servir
com nosso talento e dedicação? Que tal pensar na possibilidade de voltar às
origens e ser um pouquinho, só um pouquinho, novamente um profissional liberal?
As
operadoras de planos de saúde certamente também têm seus motivos para estar
insatisfeita nessa relação. Os médicos são manipuladores, algumas vezes mal
intencionados, e em diversas circunstâncias forjam números e situações para
justificar suas ações, em troca de um potencial ganho paralelo. Médico é humano.
Seres humanos erram. São passíveis também de deslizes desprezíveis. Mas
enquanto esses representam uma fração de um universo amplo, as práticas
contestáveis de gerenciamento clínico e operacional das empresas,
principalmente das líderes de mercado (assim intituladas em função do número de
usuários) saltam aos olhos pela ganância e pelo afastamento de seus princípios,
valores e missão. Para estas, não custa lembrar que a razão de sua existência
está calcada na existência dos próprios médicos. Se estes não existem, não
existe operadora.
E há quem
acredite que a implantação de “modernas técnicas gerenciais”, como as advindas
de empresas estrangeiras (muito em pauta recentemente), pode ser solução para o
problema, simplesmente porque são um sucesso enquanto corporação em seus
países, com seus públicos, suas legislações e sua cultura. Vamos ver.
Então, por
que o casamento persiste? Para isso teríamos que recorrer a uma construção
histórica que justificaria o atual estado de coisas, assim como explicar a
interdependência dos setores públicos e privados na prestação de serviços em
saúde, o que foge ao objetivo deste post. Mas deixo aos que me lêem que façam
suas reflexões.
“Chama-se
casamento de conveniência o casamento entre pessoas que de modo nenhum convêm
uma à outra.” (Jean-Baptiste Alphonse Karr).
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