Enquanto se busca justificar o
desempenho insuficiente do mercado de saúde, novos conceitos vão se agregando
para tentar explicar razões e apontar caminhos, todos na expectativa de que
algo de novo possa ser acrescentado. Assim é que, mais recentemente, vem sendo
introduzido no nosso meio o conceito de Governança Clínica, envolvendo e
complementando outro conceito muito importante, a Gestão do Corpo Clínico.
Nascido a partir das mudanças
mais recentes que o Sistema de Saúde (National Health System – NHS) do Reino
Unido vem implantando ao atendimento de seus usuários, e rapidamente absorvido
por alguns países de língua inglesa (principalmente Austrália e Nova Zelândia),
o conceito propõe a fusão no sentido mais amplo de iniciativas voltadas para a
melhoria da assistência, utilizando como pano de fundo os processos de
Qualidade (principalmente hospitalar) e Governança Organizacional. Temos então
que, segundo o NHS, Governança Clínica “é um sistema através do qual as organizações
são responsáveis por melhorar continuamente a qualidade dos seus serviços e a
garantia de elevados padrões de atendimento, criando um ambiente de excelência
de cuidados clínicos”. Para o alcance desses resultados, procura-se
agir em quatro dimensões:
·
Desempenho profissional (qualidade técnica);
·
Utilização racional dos recursos disponíveis
(eficiência);
·
Análise e gestão de risco ao paciente sob
cuidados (gestão de efeitos adversos);
·
Promoção da satisfação do usuário com o serviço
prestado.
Os mais distanciados das
tendências recentes no mercado de saúde podem chegar à conclusão que tudo não
passa de evidente obviedade, já tendo sido apontado em outras categorias. E, na
verdade, até deveria ser. Mas justamente por exigir um esforço para que se revisitem
os processos assistenciais básicos e os fatores não mensuráveis a ele
atrelados, acabam por ser negligenciados em troca de soluções ditas modernas.
Para o pagador de serviço, e principalmente para o paciente, interessa o
resultado final. Mas isso não parece estar muito claro na cabeça dos nossos
gestores.
O conceito de Gestão do Corpo
Clínico está fundamentado basicamente na premissa de que os serviços de saúde
precisam incentivar os profissionais (principalmente o Corpo Clínico, ou seja,
médicos) a seguirem normas elementares de qualidade assistencial em benefício
dos pacientes para os quais sua atividade-fim é voltada. Para tanto, são preconizadas atitudes de
incentivo à regimentalização, criação de comissões, resgate e valorização do
papel do auditor, adoção de diretrizes e protocolos clínicos, regras de
relacionamento multi-profissional e o registro adequado de todos os eventos
relacionados à sua prática (documentos, prontuários, justificativas, dentre
outros). Como se vê, nada além daquilo
que se esperaria de um profissional no qual se supõe possuir uma bagagem
cultural e técnica acima da média.
Mas não é o que ocorre. Nas
organizações de saúde, as coisas mais simples e elementares são as mais
difíceis de serem seguidas, as mais complicadas de se mensurar, as mais
desprovidas de significado para a alta direção e, lamentavelmente, as que mais
impactam na saúde financeira da organização. Perceber essa singela associação
de idéias e seu resultado final deveria ser uma tarefa relativamente fácil para
aqueles que militam nessa área. Mas o distanciamento histórico entre o corpo
técnico e o corpo diretivo das organizações, em parte causada pelo surgimento
da “terceira pessoa” (entre nós representada pelo plano de saúde), assim como o
aviltamento da profissão médica (e de outros profissionais de saúde), tornaram
a compreensão dessa relação uma tarefa secundária, que aos poucos vem sendo
resgatada.
Esses aspectos intangíveis podem
fazer grande diferença no desempenho dessas organizações, desde que passem a
fazer parte da agenda dos gestores. Esses, por sua vez, precisam estar
totalmente alinhados com os conceitos de qualidade em geral, e mais
especificamente compreender que os tempos agora são outros: os profissionais,
notadamente médicos, são muito mais que agentes produtivos nessa cadeia. São
co-responsáveis pela saúde organizacional e naturalmente eleitos a serem, além
dos pacientes que estão aos seus cuidados, os grandes beneficiários desse
conjunto de ações.
Se conseguirmos sensibilizar os
pseudo-gurus do planejamento estratégico em saúde de que a falta desse recheio
fará toda a diferença nos seus planos de negócio, acredito ser possível uma
melhora objetiva dos padrões de qualidade assistencial. Copiar modelos pode provocar um
distanciamento entre o histórico, missão, valores e arcabouço político
organizacional, implicando em desperdício de tempo e dinheiro tal qual vem
experimentando algumas organizações com suas consultorias externas e seus
executivos contratados a preço de ouro.
Simplificando, apesar de às vezes
ser um pouco difícil, nunca foi tão importante olhar para o próprio umbigo.
Problemas complexos freqüentemente podem ter soluções mais simples do que se
pensam.
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