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segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Novos conceitos, velhos problemas


Enquanto se busca justificar o desempenho insuficiente do mercado de saúde, novos conceitos vão se agregando para tentar explicar razões e apontar caminhos, todos na expectativa de que algo de novo possa ser acrescentado. Assim é que, mais recentemente, vem sendo introduzido no nosso meio o conceito de Governança Clínica, envolvendo e complementando outro conceito muito importante, a Gestão do Corpo Clínico.

Nascido a partir das mudanças mais recentes que o Sistema de Saúde (National Health System – NHS) do Reino Unido vem implantando ao atendimento de seus usuários, e rapidamente absorvido por alguns países de língua inglesa (principalmente Austrália e Nova Zelândia), o conceito propõe a fusão no sentido mais amplo de iniciativas voltadas para a melhoria da assistência, utilizando como pano de fundo os processos de Qualidade (principalmente hospitalar) e Governança Organizacional. Temos então que, segundo o NHS, Governança Clínica “é um sistema através do qual as organizações são responsáveis por melhorar continuamente a qualidade dos seus serviços e a garantia de elevados padrões de atendimento, criando um ambiente de excelência de cuidados clínicos”. Para o alcance desses resultados, procura-se agir em quatro dimensões:
·         Desempenho profissional (qualidade técnica);
·         Utilização racional dos recursos disponíveis (eficiência);
·         Análise e gestão de risco ao paciente sob cuidados (gestão de efeitos adversos);
·         Promoção da satisfação do usuário com o serviço prestado.


Os mais distanciados das tendências recentes no mercado de saúde podem chegar à conclusão que tudo não passa de evidente obviedade, já tendo sido apontado em outras categorias. E, na verdade, até deveria ser. Mas justamente por exigir um esforço para que se revisitem os processos assistenciais básicos e os fatores não mensuráveis a ele atrelados, acabam por ser negligenciados em troca de soluções ditas modernas. Para o pagador de serviço, e principalmente para o paciente, interessa o resultado final. Mas isso não parece estar muito claro na cabeça dos nossos gestores.

O conceito de Gestão do Corpo Clínico está fundamentado basicamente na premissa de que os serviços de saúde precisam incentivar os profissionais (principalmente o Corpo Clínico, ou seja, médicos) a seguirem normas elementares de qualidade assistencial em benefício dos pacientes para os quais sua atividade-fim é voltada.  Para tanto, são preconizadas atitudes de incentivo à regimentalização, criação de comissões, resgate e valorização do papel do auditor, adoção de diretrizes e protocolos clínicos, regras de relacionamento multi-profissional e o registro adequado de todos os eventos relacionados à sua prática (documentos, prontuários, justificativas, dentre outros).  Como se vê, nada além daquilo que se esperaria de um profissional no qual se supõe possuir uma bagagem cultural e técnica acima da média.

Mas não é o que ocorre. Nas organizações de saúde, as coisas mais simples e elementares são as mais difíceis de serem seguidas, as mais complicadas de se mensurar, as mais desprovidas de significado para a alta direção e, lamentavelmente, as que mais impactam na saúde financeira da organização. Perceber essa singela associação de idéias e seu resultado final deveria ser uma tarefa relativamente fácil para aqueles que militam nessa área. Mas o distanciamento histórico entre o corpo técnico e o corpo diretivo das organizações, em parte causada pelo surgimento da “terceira pessoa” (entre nós representada pelo plano de saúde), assim como o aviltamento da profissão médica (e de outros profissionais de saúde), tornaram a compreensão dessa relação uma tarefa secundária, que aos poucos vem sendo resgatada.

Esses aspectos intangíveis podem fazer grande diferença no desempenho dessas organizações, desde que passem a fazer parte da agenda dos gestores. Esses, por sua vez, precisam estar totalmente alinhados com os conceitos de qualidade em geral, e mais especificamente compreender que os tempos agora são outros: os profissionais, notadamente médicos, são muito mais que agentes produtivos nessa cadeia. São co-responsáveis pela saúde organizacional e naturalmente eleitos a serem, além dos pacientes que estão aos seus cuidados, os grandes beneficiários desse conjunto de ações.

Se conseguirmos sensibilizar os pseudo-gurus do planejamento estratégico em saúde de que a falta desse recheio fará toda a diferença nos seus planos de negócio, acredito ser possível uma melhora objetiva dos padrões de qualidade assistencial.  Copiar modelos pode provocar um distanciamento entre o histórico, missão, valores e arcabouço político organizacional, implicando em desperdício de tempo e dinheiro tal qual vem experimentando algumas organizações com suas consultorias externas e seus executivos contratados a preço de ouro.

Simplificando, apesar de às vezes ser um pouco difícil, nunca foi tão importante olhar para o próprio umbigo. Problemas complexos freqüentemente podem ter soluções mais simples do que se pensam. 

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