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segunda-feira, 22 de novembro de 2010

"Sobre a morte e o morrer" parte 2: a informação sobre a morte tratada com desdém pelos hospitais

Alguns aspectos da assistência hospitalar frequentemente passam desapercebidos do público em geral. Outras vezes passam desapercebidos também dos gestores hospitalares que, absorvidos no cotidiano das organizações em múltiplas tarefas, frequentemente não percebem alguns fatos relevantes ou não são informados adequadamente sobre os mesmos.
No ambiente hospitalar, é preocupante ver que na maioria das organizações consideradas de primeira linha, assim chamadas em função de avanços nos seus processos de incorporação tecnológica, de políticas de qualidade e de capacitação dos seus quadros, ainda ocorram inadequações graves na condução de processos elementares. Uma dessas inconformidades diz respeito à forma como essas organizações tratam o óbito de um paciente internado.
Devemos sempre lembrar que a "Declaração de Óbito" (mais comumente chamada Atestado de Óbito) é a única fonte de informação dos órgãos governamentais para a realização de estatísticas sobre morbi-mortalidade na população, que por sua vez vão gerar políticas voltadas para um melhor planejamento da assistência médica nas grandes populações através do direcionamento de recursos, criação de unidades de saúde, contratação de profissionais e realização de campanhas. Além disso, é fonte de dados para pesquisadores de agências nacionais e internacionais em diversos trabalhos científicos que envolvem, inclusive, a criação de "ranking´s" de eficiência na implantação de políticas de saúde. Os organismos buscam as informações nos cartórios, aonde são emitidas as "Certidões de Óbito" com os dados relacionados à causa da morte (ou causas), por sua vez fornecidos por quem preencheu a Declaração de Óbito, ou seja, o médico.
Eis que em nosso país na imensa maioria dos casos esse documento, de enorme valor enquanto fonte de dados, é manipulado por profissionais que não tem o preparo adequado para preenchê-lo. O médico que assina a Declaração de Óbito num paciente hospitalizado via de regra não conhece e não prestou antes assistência direta ao paciente que acaba de falecer, algumas vezes apenas o fez em seus momentos finais, em função do atendimento da intercorrência que culminou com o óbito. É geralmente um plantonista de um outro setor, e que tem, entre as suas obrigações, o dever de assistir às urgências de pacientes internados. 
O documento que ele assina tem espaços destinados à colocação do evento principal que levou àquele desfecho, assim como os eventos secundários que podem ou não estar relacionados ao evento principal. Ao todo, são cinco espaços destinados à colocação de diagnósticos. Existe também um espaço destinado à caracterização do grau de relacionamento entre o profissional que assina o atestado e o paciente, onde se pergunta se o profissional que assina o documento é aquele que prestou a assistência durante o seu período de internação. Dentre as opções, existe uma chamada "substituto", que vem a ser a mais frequentemente assinalada. 
Engana-se quem pensa que esses espaços são preenchidos de forma adequada, fazendo com que o valor da Declaração de Óbito seja respeitado. Na imensa maioria das vezes as organizações preferem ignorar essa relevância, deixando o preenchimento a cargo de médicos sem treinamento no preenchimento do documento, e o pior, sem conhecer o paciente. Isto porque o profissional que assiste ao paciente, o médico titular que o conhece, geralmente não está disponível para comparecer ao hospital naquele momento e inserir os dados da forma correta. Outras vezes ele não é localizado. E em outras, quando o paciente é assistido por dois ou mais profissionais especialistas simultaneamente, é extremamente comum a escusa de um ou todos em assinar o documento, ou mesmo orientar o preenchimento deste, sob a alegação de que não é o médico assistente, mas apenas um consultor. Por isso a quadrícula "substituto" é a mais frequentemente assinalada.
A equipe de enfermagem frequentemente arca com a responsabilidade de dar o melhor direcionamento a um processo que deriva de uma responsabilidade ética e legal única e exclusivamente médica.
Os hospitais que implantaram núcleos de epidemiologia parecem ter um desempenho melhor na qualidade da informação gerada pelas Declarações de Óbito, seja através de uma ação educativa com os profissionais, seja através de proposições junto à alta direção que privilegiem um adequado registro. Aqueles que implantaram equipes de médicos hospitalistas também experimentam registros um pouco melhores.
Uma das ações possíveis é, por mais banal que possa parecer, estipular no documento de internação o profissional titular pela assistência, para que este seja acionado em situações como essa, seja para orientar o preenchimento da declaração (no caso de não estar disponível para preenchê-lo), seja para fazê-lo pessoalmente. Se em algum momento da assistência sua participação na condução da assistência àquele paciente deixou de ser relevante, e outro profissional passa a sê-lo, este último assume a titularidade.
O que se espera é que a qualidade da informação seja adequada, servindo assim ao propósito fundamental de embasar políticas de saúde, além de servir de ferramenta de planejamento interno e fonte de dado confiável em demandas jurídicas ou relacionadas à idenização de familiares por seguradoras.
É, antes de tudo, um compromisso com a verdade. Não fica bem uma organização fornecer uma informação desta natureza de forma leviana ou insuficiente.
Nota: alguns textos interessantes para quem quiser se aprofundarno assunto (e são poucos) -

http://www.scielo.br/pdf/rsp/v24n4/09.pdf

http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/iesus_vol11_1_editorial.pdf

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